O Globo, p.6 (manchete)
Ajuste
empacado
Apesar da
crise, estado só cortou 7% dos cargos comissionados, em vez dos 30% prometidos.
Mesmo com o
pires na mão para tentar contornar a crise, o governo estadual não fez o dever
de casa. Uma das principais medidas de austeridade anunciadas, o corte de 30%
dos cargos comissionados que incham a máquina pública, nem chegou perto da
meta. De dezembro de 2015, quando os problemas de caixa começaram a se tornar
mais graves, ao mesmo mês do ano passado, a redução de cargos comissionados na
administração direta foi de cerca de 7%. Em números absolutos, o total de
pessoas contratadas nessa modalidade passou de 5.597 para 5.203. E esse é
apenas um exemplo.
Entre cargos
em comissão diretos e indiretos, o número de funcionários manteve-se
praticamente estável, flutuando em torno de 8.500 pessoas. Com os servidores
estaduais da ativa e inativos, que desfrutam de estabilidade, as despesas com
pessoal se mantiveram altas. O total de funcionários estáveis chegou a ter um
ligeiro aumento, de dezembro de 2015 para o mesmo mês de 2016: 0,04%, passando
de 466.555 para 466.727. O corte nos gastos de secretarias também ficou bem
abaixo do esperado. Comparando as despesas liquidadas em dezembro de 2015 com
as do mesmo mês de 2016, é possível ver que muitas secretarias, inclusive,
inflaram seus custos.
As propostas
de cortes na folha ou no número de comissionados, por exemplo, apareceram antes
mesmo da posse de Luiz Fernando Pezão para o atual mandato. Em dezembro de
2015, ele acenou com a possibilidade de cortar em 30% os cargos comissionados.
Depois, foi prometida, na primeira versão do pacote de ajuste fiscal, uma
redução de 30% nas gratificações pagas a esses funcionários. Em outubro do ano
passado, foram vedadas nomeações para cargos que estivessem vagos. E, um mês
depois, o governo anunciou, mais uma vez, diminuir o valor das gratificações
desses servidores com cargos de confiança ou extraquadros, na ocasião, em 30%.
CONTRATOS
TEMPORÁRIOS SUBIRAM 241%
Mas, de
acordo com o Caderno de Recursos Humanos do estado, esse grupo, que reunia
8.840 pessoas nas administrações direta e indireta em janeiro de 2015, aumentou
para 8.906 em dezembro de 2015. No ano passado, o número fechou em 8.493 servidores
com esse tipo de contrato. Ou seja, percentualmente, a redução foi de apenas de
3,9% ao longo desses dois anos.
O custo dos
comissionados também se manteve quase inalterado no período: caiu apenas 0,1%,
de R$ 29,41 milhões em janeiro de 2015 para R$ 29,38 milhões em dezembro de
2016. Se considerada apenas a administração indireta (fundações e autarquias),
o número de comissionados chegou a subir:
terminou janeiro de 2015 com
3.212, alcançou 3.309 em dezembro do mesmo ano e encerrou 2016 com 3.290.
Para
o especialista em economia fluminense Bruno Sobral, da Uerj, a gênese do
colapso econômico do Rio não está num suposto excesso de servidores, como
alguns defendem. Para ele, tem mais a ver com fatores como endividamento do
estado e a conjuntura nacional. No entanto, observa, os cortes de comissionados
e gratificações ajudam no bojo de medidas para poupar." Quando o governo
apresenta esses pacotes, parece que tem uma fórmula de bolo para resolver a
questão do estado. Mas, ao analisar os dados, percebemos que, muitas vezes, o
governo não tem atacado a realidade. Os comissionados impactam, inclusive, no
Rioprevidência, porque não contribuem para o sistema. São, muitas vezes, cargos
políticos, cuja escolha obedece a critérios questionáveis", afirma Sobral,
lembrando que, no fim de dezembro, Pezão também vetou a redução de 30% do
próprio salário, assim como a redução nos vencimentos de secretários e
subsecretários, proposta por ele à Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) no
pacote encaminhado em novembro do ano passado.
Na
análise do quadro de servidores do governo, a queda só foi mais significativa
se considerado o total deles com livre nomeação, que inclui funções de
confiança, requisições externas de outras esferas de poder e contratos
temporários. Nos últimos dois anos, a queda foi de 8,4%, de 21.212 em janeiro
de 2015 para 19.430 no fim do ano passado. Mesmo assim, na administração direta
(secretarias), o que se viu nessa comparação foi uma escalada do número de
servidores com contratos temporários: de 595 para 2.031 (241% a mais).
Apesar
de os números — apresentados pelo levantamento mensal da própria Secretaria
estadual de Planejamento e Gestão — mostrarem um ritmo lento nos cortes
prometidos desde o início do governo, o estado argumenta que a reestruturação
administrativa, iniciada em 2015, ainda está em curso. “Outras etapas estão
sendo estudadas, levando em conta a economicidade das medidas e a avaliação dos
impactos nos serviços prestados pelo estado”, afirma o governo.
Em
nota, o Palácio Guanabara defende que houve um “corte significativo nos salários
dos comissionados". Nos dois últimos anos, afirma, a folha de pagamento
bruta dos servidores da ativa do estado, incluindo os comissionados, passou de
R$ 22,9 bilhões, em 2015, para R$ 20,9 bilhões, em 2016 (queda de 8,7%).
No
entanto, considerando apenas o Poder Executivo — excluindo do cálculo a Alerj,
o Judiciário e o Ministério Público —, segundo consta na Transparência, em
consulta realizada na última quinta-feira, o Rio tinha liquidado R$ 17,11
bilhões em despesas com pessoal e encargos sociais em 2015. Ano passado,
comprometeu mais: R$ 18,08 bilhões.
Esta
semana, o governo deve divulgar o balanço final de suas contas relativas ao ano
passado. Mas os números da Transparência mostram que o total de gastos
liquidados do Executivo caiu, de R$ 58,73 bilhões para R$ 53,14 bilhões (9,5% a
menos). Houve uma queda drástica dos investimentos (cerca de 63%), que passaram
de R$ R$ 6,51 bilhões para R$ 2,38 bilhões.
O
problema é que, mesmo freando os gastos, muito do que o governo se comprometeu
a pagar ainda não foi quitado. Até a última quinta-feira, de
acordo com a Transparência
estadual, dos R$ 53,14 bilhões autorizados, R$ 43,29 bilhões tinham sido
efetivamente pagos. Ou seja, o estado ainda tem R$ 9,85 bilhões para honrar
relativos a despesas de 2016. Desse total, com salários de dezembro e 13º
atrasados, aproximadamente R$ 3 bilhões eram despesas de pessoal e encargos
sociais, enquanto R$ 6,2 bilhões, referentes a outras despesas correntes.
Apesar
de ainda não serem os números consolidados, Raul Velloso, consultor econômico e
ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento, ressalta
que esses restos a pagar têm se tornado a corda no pescoço não só do Rio, mas
também de outros estados. "Hoje, esse é o grande drama. São gastos que não
foram cortados, mas simplesmente adiados", diz ele. "A situação do
Rio é desesperadora. É importante ver como o estado vai lidar com esses restos
a pagar. O que está autorizado, como e quando ele vai pagar?"
GOVERNO
CONTESTA DADOS.
Conforme
as informações da Transparência, a diferença entre o liquidado e o pago até
dezembro do ano passado, só na Secretaria de Saúde, era de R$ 2 bilhões. Na de
Segurança, alcançava R$ 1,4 bilhão. E, na de Ciência e Tecnologia, que tem a
Uerj sob seu chapéu, chegava a R$ 839 milhões.
Os
gastos de muitas das secretarias, por sinal, não caíram como era de se esperar
em tempos de bancarrota. Antes da reestruturação realizada em janeiro deste
ano, pastas como a de Transportes, Desenvolvimento Econômico e Assistência
Social e Direitos Humanos, pelos dados da Transparência, tinham reduzidos suas
despesas liquidadas em mais de 50% no acumulado de 2015 e 2016. Mas, por esses
mesmos números, a de Governo e a de Planejamento e Gestão tinham aumentado, em
23% e 14%, respectivamente. Na de Esporte e Lazer, a queda foi de apenas 2,9%.
O
governo, no entanto, contesta os dados do site Transparência. Nas secretarias
de Governo e Planejamento, afirma o Palácio Guanabara, houve redução de 45% do
valor liquidado em 2016 em relação ao ano anterior. Na de Esporte, a diminuição
teria sido de 75%. Em nota, o estado alega que o corte de 30% nas secretarias
estabelecido no decreto 45.805/ 16 abrange as despesas operacionais
“discricionárias”, custeadas pelo Tesouro Estadual. A nota diz que o governo
reduziu seus valores liquidados em 41% de 2015 para 2016. “Para ter uma ideia,
o custeio discricionário era de R$ 3,4 bilhões em 2014. Em 2015, passou para R$
2,9 bilhões e, em 2016, foi para R$ 2,4 bilhões", afirma a nota.
EXTINTA
E AINDA ENTRE NÓS.
Extinta
há mais de duas décadas, a Companhia de Transportes Coletivos, mais conhecida
pela sigla CTC, ainda mantém dez funcionários em cargos de comissão, de acordo
com dados do Caderno de Recurso Humanos, da Secretaria de Planejamento, de novembro do ano passado. Além dos
servidores, um prédio de quatro andares e um galpão cercado de mato alto, na
Rua Bérgamo, em Triagem, são resquícios da antiga CTC, que quando operava o
sistema de ônibus no estado esbanjava sinais de ineficiência. No ano passado,
segundo a Secretaria da Casa Civil, a companhia gastou R$ 627 mil com salários
e manutenção de suas instalações.
Reportagem
do GLOBO, publicada há duas semanas, mostrou que a estatal de transportes é uma
das 14 empresas públicas e de sociedade de economia mista vinculadas ao
governo, onde estão lotados 2.678 funcionários. Também está nesse grupo a
Companhia de Transportes sobre Trilhos do Estado do Rio, a Riotrilhos, que
operava o metrô antes da privatização do sistema. Hoje, ela segue contando com
436 servidores. Três meses atrás, eles receberam R$ 2,5 milhões em salários.
O
GLOBO visitou no início do mês os três andares do prédio da Riotrilhos, em
Copacabana, e encontrou cerca de 20 funcionários no local. De acordo com a
Secretaria de Transportes, dos 436 servidores da empresa, 294 trabalham na
companhia e os demais estão cedidos a órgãos. Questionada sobre a função da
Riotrilhos hoje, a secretaria informou que a companhia tem o papel de
“planejar, projetar, construir e implantar sistemas de transporte sobre
trilhos, com vistas à concessão do serviço ou à formação de parcerias
público-privadas”, além de fiscalizar o setor.
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