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segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Estado sucateia pesquisa econômica

"Tem que entender a diferença entre Estado e governo. Governo fica mudando a cada eleição. Instituição de Estado tem visão estratégica, que deve ser sustentada independentemente da gestão". 


O Globo p. 15



Pesquisas em risco

Para cortar gasto, estados extinguem órgãos ou reduzem pessoal, o que compromete políticas públicas

A crise fiscal ameaça piorar a qualidade de dados estatísticos produzidos em institutos regionais de pesquisa. Diante de orçamentos apertados, pelo menos três estados e o Distrito Federal decidiram encolher ou até extinguir órgãos dedicados a produzir levantamentos que vão desde indicadores sociais usados para determinar quantas vacinas devem ser distribuídas à população a diagnósticos de atividade econômica e mercado de trabalho. Por serem específicos, esses dados não são captados pelas pesquisas nacionais. Os governos afirmam que as funções podem ser feitas por secretarias de Planejamento, mas especialistas temem pela perda de independência e profundidade nas análises.
Dos 26 estados e Distrito Federal, 16 têm institutos de pesquisa independentes — nos demais, as pesquisas são feitas pelas secretarias de Planejamento. Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Paraíba e Distrito Federal relatam o peso do ajuste. O caso gaúcho é o mais grave. A Fundação de Economia e Estatística (FEE), criada em 1973, está para fechar as portas após o governo conseguir aprovar projeto de lei que determina a extinção da entidade. O órgão só continua funcionando porque há impasse na Justiça sobre a demissão de parte dos servidores.
A FEE é referência nacional. Além de calcular o PIB do estado e dos municípios, produz indicadores sociais e de mercado de trabalho. Segundo Iracema Castelo Branco, economista da instituição, um dos levantamentos que corre o risco de acabar é a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), feita em parceria com o Dieese, que traz informações que ficam de fora das pesquisas do IBGE. A fundação produz o Índice de Desenvolvimento Econômico (Idese), espécie de IDH, que aponta em quais regiões do estado são necessários mais investimentos.
Falta pessoal para tocar os trabalhos. Dos 145 funcionários da fundação, apenas 53 seriam incorporados ao quadro do estado para continuar os trabalhos da fundação. A economista alerta que só metade dos 53 está na ativa. "Nosso temor é que se percam esses indicadores sociais, econômicos e de população. Temos um banco de dados com 993 variáveis econômicas. Isso significa indicar a um município quantas pessoas precisam ser vacinadas. São dados colhidos mensalmente, anualmente. Com a extinção, corremos o risco de passar por um processo de esvaziamento total de pesquisa e estatísticas", diz Iracema.
A extinção da fundação gaúcha mobilizou a comunidade acadêmica. O economista Luiz Carlos Bresser-Pereira avaliou, em depoimento em vídeo, o papel da FEE e de outras fundações semelhantes: “Não há nada mais importante no estado do que desenvolver sua educação e depois as suas tecnologias. Essas fundações estão voltadas exatamente para desenvolver as tecnologias para que haja desenvolvimento”, disse Bresser-Pereira, em vídeo publicado em site criado para defender a entidade. O governo do Rio Grande do Sul argumenta que a decisão de acabar com a FEE foi para cortar custos. Segundo o secretário de Planejamento, Governança e Gestão do Rio Grande do Sul, Carlos Búrigo, o governo atual encontrou projeção de déficit de R$ 25 bilhões para os quatro anos de mandato. Uma das ações para reduzir o rombo foi extinguir 11 estruturas, nove fundações, uma companhia e uma autarquia, entre elas a FEE, que tem 183 servidores e custo de R$ 30 milhões ao ano: "Entendemos que não precisamos de estrutura tão cara e onerosa. Temos Dieese, Fipe, FGV e outras estruturas para contratação de serviços qualificados, específicos e no momento que precisarmos". Com a aprovação do pacote de austeridade, Búrigo diz que a economia será de R$ 1 bilhão por ano.

No Rio, só uma técnica na equipe do PIB
A lei que pôs fim à FEE foi inspirado no pacote de ajuste fiscal proposto pelo governo do Rio de Janeiro, no ano passado. Um dos projetos enviados à Assembleia Legislativa (Alerj) previa a extinção da Fundação Ceperj, mas o texto foi rejeitado. O instituto sobreviveu, mas encolheu: o Orçamento foi cortado em R$ 4 milhões entre 2016 e 2017. Procurado, o governo não deixou claro se a extinção da Ceperj continua em discussão. “A revisão da estrutura administrativa do governo estadual está prevista no âmbito do Plano de Recuperação Fiscal em análise no governo federal. Só após sua homologação, a administração estadual terá condições de avançar na discussão”, disse o governo, em nota.
Enquanto isso, a equipe responsável pelo PIB do estado e dos municípios fluminenses, que já foi de cinco economistas, hoje conta com apenas uma profissional. A economista Seráfita Ávila é a responsável por tocar as pesquisas nessa área. Ela avalia que os cálculos do PIB estadual e municipal deste ano estão garantidos, mas, caso a situação se agrave, não descarta eventual interrupção da pesquisa. "Enquanto eu puder, tiver saúde, mesmo recebendo atrasado, vou fazendo. Tenho carinho. Sentiria muito sair daqui e ver o que a gente fez ir para o ralo. Para a sociedade é ruim. Temos que fazer um esforço maior ainda para não deixar piorar. O anuário estatístico (que deixou de ser produzido) já foi uma perda", lamenta a técnica.
Embora seja divulgado pelo IBGE, o PIB dos estados e municípios é calculado pelos institutos locais. Sem o envolvimento dos governos estaduais, a pesquisa está sob risco. O presidente do IBGE, Roberto Olinto, afirma que, em caso extremo, o instituto assumiria a produção, mas há um limite. "Se isso vira uma epidemia… A gente consegue fazer para um, para dois, para três, mas para 27 unidades da federação? Regional e municipal?", afirma Olinto, que vê com preocupação a extinção dos órgãos regionais. "Não se faz política pública no cheiro. Além de não saber o que vai fazer, você não consegue acompanhar sua decisão."
Frederico Cunha, gerente das Contas Regionais do IBGE, explica que, no caso dos dados estaduais, o IBGE pode produzir as estatísticas com base em pesquisas nacionais. Mas substituir os estados na elaboração do PIB dos municípios é impossível. "No caso do PIB dos municípios, cada estado contribui com dados da Secretaria de Fazenda, que só a equipe de Fazenda tem como conceber, e o IBGE não tem como fazer", alerta Cunha.
Para o economista Bruno Sobral, especialista em economia fluminense da Uerj, o Rio falha em produzir dados mais profundos, como o impacto de incentivos fiscais e o potencial de desenvolvimento do estado. Ele critica a transferência da produção das estatísticas para as secretarias de planejamento: "Tem que entender a diferença entre Estado e governo. Governo fica mudando a cada eleição. Instituição de Estado tem visão estratégica, que deve ser sustentada independentemente da gestão".
Na avaliação de Julio Miragaya, presidente da Associação Nacional das Instituições de Planejamento e Estatística (Anipes), a crise é generalizada. Há três anos, 400 representantes compareceram ao encontro nacional. No ano passado, foram apenas 60: "São encontros técnicos, parcerias são estabelecidas. Quando se corta o intercâmbio, corta-se a possibilidade de as instituições crescerem juntas. Na crise, o planejamento paga um preço muito alto".

Cortes também no distrito federal
Miragaya é presidente da Codeplan, no Distrito Federal, que também sofreu cortes. A instituição anunciou este ano Plano de Demissão Voluntária (PDV). Em nota, o governo do DF disse que 191 dos 407 funcionários aderiram ao programa. A economia estimada é de R$ 2,5 milhões. Embora o governo afirme que não haverá cortes em pesquisas , Jusçanio Umbelino de Souza, gerente de pesquisas socioeconômicas da Codeplan, vê prejuízo: "Vamos perder servidores experientes. Há anos nossa equipe técnica não é renovada. Esperamos que, após o programa de desligamento voluntário, ocorra concurso para perfil técnico e reposição. Se isso não acontecer, a cada ano a Codeplan vai morrendo por inanição. A história da Codeplan é de altos e baixos, sempre de ameaça de extinção, e com a crise dos estados se vê novamente ameaçada. As dificuldades se avolumaram nos últimos anos."

O GLOBO procurou as 16 fundações estaduais no país. Imesc (Maranhão), Ipardes (Paraná) e Fundação Seade (São Paulo) informaram que não houve redução das atividades por causa da crise. A Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI) afirmou que houve contingenciamento do orçamento e que “as pesquisas desenvolvidas pela instituição foram readequadas e reordenadas visando à continuidade da execução das atividades, entretanto sem apresentar prejuízo ao seguimento das pesquisas e estudos”, sem dar detalhes. Fundação João Pinheiro (Minas Gerais) e Fapespa (Pará) não retornaram o contato. Não conseguimos contato com os institutos de Ceará, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe.

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