Prefeito Saturnino Braga decretou
falência do Rio de Janeiro em 1988
Na TV, ele citou como motivos a forte oposição dos vereadores e a falta de ajuda federal. Crise financeira atrasou salários dos servidores e afetou hospitais e escolas
A reportagem ‘Sucessão de erros leva Rio à falência”, publicada no GLOBO de 25 de setembro de 1988, trazia um resumo da história da quebra do município, ocorrida dias antes. A crise financeira já vinha se arrastando desde os anos 70 e era sempre contornada, a cada mês, com a rolagem da dívida. Na ocasião, o prefeito Roberto Saturnino Braga disse que a gota d’água havia sido o telex enviado pelo Banco Central às agências bancárias do país às 17h do dia 26 de agosto, uma sexta-feira, determinando o bloqueio de todas as contas da Prefeitura. Essa decisão, segundo Saturnino — eleito pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) mas a esta altura já rompido com a legenda —, teve o efeito de uma senha para os bancos: não emprestem dinheiro ao Rio, a cidade está falida.
Entre os fatores levantados pelo prefeito em seu pronunciamento na TV, em 15 de setembro, para decretar a falência, estaria a forte oposição dos vereadores — que ao impedir o reajuste das tarifas municipais inviabilizavam o combate ao déficit orçamentário — e a não efetivação da ajuda financeira prometida pelo governo federal quando fortes chuvas haviam atingido a cidade, em fevereiro. Seus críticos afirmaram à época, porém, que teria faltado habilidade política a Saturnino para contornar a crise.
O prefeito e seus secretários consideraram a atitude uma “absoluta falta de sensibilidade das autoridades federais” para a situação calamitosa em que vivia a cidade. Salários do funcionalismo em atraso, greves, dívidas com fornecedores, hospitais funcionando precariamente, falta de professores e de merenda nas escolas eram alguns dos problemas que ele esperava solucionar com as emissões de 18 milhões de Obrigações do Tesouro Municipal (OTMs), conhecidas como carioquinhas. Mas os pedidos de emissão desse lote de títulos eram sempre negados pelo ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, do Governo Sarney.
A Prefeitura também fizera um pedido de empréstimo à Caixa Econômica Federal de 8,6 milhões de Obrigações do Tesouro Nacional (OTNs) para a recuperação dos estragos provocados pelas enchentes ocorridas em fevereiro daquele ano, que, apesar de aprovado, não era liberado, além de outro de US$ 48 milhões (cerca de R$ 190 milhões), via Banco Mundial, que não saíra porque dependia de aprovação de mensagem do Executivo pela Câmara. A mensagem fora arquivada por ter sido vetada pelas comissões técnicas, numa manobra política do PDT para pressionar a Prefeitura a pagar reajuste de 100% do IPC aos servidores do Legislativo.
Segundo o Centro de Pesquisa e Documentãção de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas, na primeira quinzena de março de 1987, Saturnino anunciou a necessidade de aumentar a arrecadação e reduzir os gastos públicos. Essa decisão teria aberto séria crise entre o prefeito e a Câmara Municipal — inclusive com os 12 vereadores que compunham a bancada do PDT —, que rejeitava propostas como a extinção do gatilho salarial dos servidores.
A crise entre o prefeito e o PDT agravou-se no mês seguinte, quando, a fim de evitar o colapso financeiro do município, Saturnino resolveu, entre outras coisas, demitir cerca de três mil funcionários e fechar a fábrica de escolas da prefeitura, contrariando um dos pilares do discurso pedetista. Em seguida, houve a ruptura com o PDT, que tinha metade da bancada dos vereadores e teriam recebido ordens de fazer oposição cerrada ao prefeito, que retornou ao seu antigo partido, o Partido Socialista Brasileiro (PSB).
No final do mesmo ano, o Plano Cruzado, lançado por Sarney para controlar a hiperinflação, naufragou e a inflação voltou com intensidade. Saturnino pediu, então, à Câmara revisão para o IPTU e reajuste mensal da unidade fiscal, negados pela maioria oposicionista. A inflação já atingia o patamar de 20% ao mês, reduzindo ainda mais as receitas da prefeitura, precipitando a falência do município.
Uma situação bem diferente do otimismo que cercara sua eleição, em 1985, quando um mês antes do pleito as pesquisas já anunciavam sua vantagem sobre os demais candidatos, entre eles Rubem Medina e Álvaro Valle, levando o senador, geralmente discreto, a anunciar no dia da votação, em 15 de novembro: “Já me considero prefeito”.
Sua ascensão a uma posição de liderança na política do estado ocorrera a partir de 1974, quando candidatou-se a senador pelo MDB, partido da oposição à ditadura de 1964 que ajudou a fundar, e foi eleito por mais de dois terços do eleitorado. Neto e filho de políticos fluminenses de Campos, havia iniciado sua carreira política em 1962, como deputado federal pelo PSB.
Segundo o site do político, sua administração também foi marcada por inovações para a cidade, com a realização da primeira experiência no Brasil de gestão participativa, com a implantação dos Conselhos Governo-Comunidade, cuja implantação e funcionamento, porém, foram sempre bastante precários, segundo o CPDOC. Saturnino e outros prefeitos de capitais, afetados pelo mesmo problema de caixa, lutaram pela melhoria das receitas municipais, que acabou sendo aprovada na Constituição de 1988, com um novo sistema tributário mais favorável aos municípios, que entraria em vigor em janeiro de 1989.
Sua decisão de declarar a falência da Prefeitura, numa tentativa de mobilizar a opinião pública para a necessidade de conseguir novas receitas, acabou surtindo efeito. A Câmara aprovou, no fim de 1988, as propostas que havia rejeitado em 1987. Mas as dificuldades em nível federal continuariam: em 14 de dezembro, apesar da aprovação do Senado e do Ministério da Fazenda para que a prefeitura pudesse contratar empréstimo de 4,1 milhão de OTNs (aproximadamente R$ 270 milhões) para pagar salários atrasados, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica se recusaram a participar da operação para liberar os recursos.
A Prefeitura do Rio só se recuperaria na gestão seguinte, de Marcello Alencar, beneficiado pelas mudanças promovidas pela Constituinte, além de uma maioria na Câmara de Vereadores. Após a gestão da Prefeitura, Saturnino ainda se elegeu vereador, em 1996, e senador, em 1998. Simultanemente, passou a se dedicar à literatura, tendo publicado várias obras. Uma delas, “Contos do Rio”, recebeu o Prêmio Malba Tahan, da Academia Carioca de Letras, em 2000.
Leia mais sobre esse assunto em http://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/prefeito-saturnino-braga-decretou-falencia-do-rio-de-janeiro-em-1988-18436051#ixzz4Iixg7Uir
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