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segunda-feira, 4 de abril de 2016

O Globo - Uma "filial" da Fazenda na Barra da Tijuca


03/04/2016

O Globo
Uma 'filial' da Fazenda na Barra da Tijuca

Na firma de Picciani
Uma 'filial' da Fazenda na Barra da Tijuca
Empresa de Jorge Picciani, presidente 'da Alerj, que atua no ramo de gado de corte, virou ponto de encontro, na Barra da Tijuca, de três fiscais de ICMS com contador de cervejaria investigada por fraude tributária. Corregedoria da Fazenda condena esse tipo de reunião, revelam Chico Otávio e Luiz Gustavo Schmttt. Um dos fiscais foi 15 vezes à firma do deputado. PÁGINAS 12 «13
VISITAS A PICCIANI UNEM FISCAIS E EMPRESÁRIO
Inspetores de ICMS se reúnem, na firma do presidente da Alerj, com envolvido em fraude
Chico Otávio e Luiz Gustavo Schmitt
granderio@oglobo.com.br
O relógio da recepção marcava 8h01m naquela sexta-feira, 2 de junho de 2014, quando três homens subiram juntos à sala 305 do bloco 4 do condomínio 02 Corporate & Offices, na Barra da Tijuca. Um quarto visitante seguiu dois minutos depois. O destino do grupo era a Agrobilara, empresa de pecuária da família do presidente da Assembléia Legislativa do Rio, Jorge Picciani (PMDB). A recepção os identificou como Carlos Sérgio Silva Janiques, Cláudio Portugal Gonçalves, Allan Dimitri Chaves Peterlongo (o que subiu depois) e Arnaldo Kardec da Costa. Os três primeiros, fiscais de ICMS no Rio, chefiavam as inspetorias de fiscalização de Supermercados, Bebidas e Substituição Tributária. O quarto, Kardec, é contador e braço direito do empresário Walter Faria, dono do Grupo Petrópolis, fabricante da cerveja Itaipava, cuja trajetória é marcada por suspeitas de envolvimento em casos de fraudes tributárias.
As três inspetorias compõem um grupo de unidades especializadas da Secretaria estadual de Fazenda do Rio, que responde por 80% da arrecadação do ICMS fluminense e só atua com grandes contribuintes.
Embora a Agrobilara seja do ramo de gado de corte, de janeiro de 2014 a julho de 2015 foi freqüentada regularmente por fiscais que não a fiscalizam, como registra a lista de visitantes do prédio, obtida pelo GLOBO. Carlos Sérgio, da Inspetoria de Supermercados, foi 15 vezes ao local. Dimitri, que comandou de 2006 a janeiro deste ano a Inspetoria de Substituição Tributária, esteve ali oito vezes. Portugal, inspetor de Bebidas, cinco.
Das 15 visitas de Carlos Sérgio, três coincidem com as do contador da cervejaria: nos dias 8 de dezembro de
2014, às 8h24m, e 6 de fevereiro de 2015, às 10h21m. Em 5 de janeiro de 2015, o fiscal entrou às 8h08m, e Kardec chegou sete minutos depois.
EMPRESAS DEVEM R$ 1 BILHÃO
Picciani e Walter Faria, para quem Kardec trabalha, são amigos e parceiros de negócios. As fazendas do deputado, a maioria em Minas Gerais, não são fiscalizadas pelas três inspetorias, ao contrário da fabricante da cerveja Itaipava, cuja dívida no Estado do Rio, contraída somente pelas distribuidoras do grupo, superava R$ 1 bilhão no ano passado.
De 2 de janeiro de 2014 a 7 de julho de 2015, foram registradas 7.854 visitas ao local. Ao subir à Agrobilara com o contador da cervejeira, os três inspetores ignoraram, no mínimo, a posição da Corregedoria da Receita Estadual, contrária a encontros de auditores com fiscalizados fora de repartição fiscal. Pelo menos um deles, Carlos Sérgio Janiques, foi além: comprou, em dezembro de 2014, um imóvel de Antônio Carlos Pestana, também visitante da Agrobilara e dono de uma rede de supermercados. A transação ocorreu no mesmo mês em que a empresa de Pestana foi incluída na lista de firmas fiscalizadas pela Inspetoria de Supermercados, chefiada por Carlos Sérgio.
Levantamento feito pelo GLOBO nos cartórios do Rio revela que Carlos Sérgio e Portugal negociaram, usando seus nomes, 59 imóveis no Rio. Na lista de bens, há apartamentos à beira-mar, casas em condomínios e salas comerciais na Barra e no Centro do Rio. O salário líquido de um fiscal no topo da carreira vai de R$ 17 mil a R$ 20 mil, por causa do teto legal.
Carlos Sérgio fez 25 transações imobiliárias desde que se tornou fiscal da Fazenda, em 1996. Do total negociado, 11 propriedades continuam em suas mãos. Ele é dono, por exemplo, de dois apartamentos no condomínio Península, na Barra. Aquele em que o fiscal reside, no prédio Saint Barth, custou R$ 2,3 milhões, de acordo com a escritura. O outro fica no edifício Aquarela, onde o preço de cada unidade varia entre R$ 1,5 milhão e R$ 2,5 milhões.
Na lista de bens de Carlos Sérgio, aparece ainda um imóvel no condomínio de alto padrão Fazenda Passaredo, na Taquara (Jacarepaguá). Lá, o preço das casas chega a R$ 4 milhões, segundo corretores. Carlos Sérgio consta como dono de outros seis bens em endereços no Recreio e em Jacarepaguá.
A Janiques Assessoria e Empreendimentos Imobiliários, do mesmo inspetor, é dona de um imóvel na Rua Marcos de Macedo 314, em Guadalupe, comprado de Antônio Carlos Pestana em 16 de dezembro de 2014. Na lista de visitantes da Agrobilara, estão registradas três visitas de Pestana. Ele é um dos sócios de uma rede de supermercados liderada pelo Valqueire Hortifrutigranjeiros, em Vila Valqueire.
Pestana já foi denunciado pela Coordenadoria de Combate à Sonegação Fiscal do Ministério Público do Rio por R$ 14 milhões em fraudes tributárias com outra empresa do grupo, a Orti A.C.T.R., ocorridas de 2008 a 2011.
Desde 2 de dezembro de 2014, a rede de Pestana é fiscalizada pela inspetoria de Carlos Sérgio. O processo de transferência do Valqueire Hortifrutigranjeiros da fiscalização regular para a Inspetoria de Supermercados (ne E-04/040/ 1230/2014) começou por iniciativa da própria especializada, sob a alegação de que a empresa apresentava valores de receitas superiores a R$ 30 milhões
Já Cláudio Portugal, o inspetor de Bebidas, fez 34 transações imobiliária!. Entre 2010 e 2013, negociou nove apartamentos de classe média em Curicica e uma sala comercial num prédio en Jacarepaguá. No mesmo bairro, o fiscá tem ainda um imóvel no condomínio Fazenda Passaredo e é dono de pelo menos mais três casas.
Portugal chefia Bebidas desde outubro de 2013. Antes, trabalhava na Inspetoria de Substituição Tributária. É mesmo caso de Carlos Sérgio, nomea do para a Inspetoria de Supermercado na mesma data. Ambos foram comandados por Allan Dimitri, que chefiou Substituição Tributária até janeiro deste ano, quando se exonerou no mesmo dia em que o site do GLOBO divulgou as visitas que fazia à Agrobilara.
Arnaldo Kardec, o contador da Itáipava que subiu no prédio junto com o três fiscais, esteve outras 18 vezes n empresa dos Picciani. Walter Faria, i proprietário da cervejaria, visitou-a 2 vezes. Em 2008, Kardec, contador d< Faria, foi denunciado pelo Ministérii Público de Mato Grosso na Operação Vulcano, por corrupção ativa, omissa» de informação, declaração falsa às autoridades fazendárias, falsa identidade para realização de operação de câmbi< e formação de quadrilha.
PICCIANI DIZ DESCONHECER VISITAS
O deputado Jorge Picciani disse qu desconhece o que os três fiscais e Kadec foram fazer na Agrobilara:
—Se é fato que lá estiveram, o que pc de nem ser verdade, eles é que dever responder o porquê. A propósito,  que em 2014 eu não tinha mandato. Ele questionou a lista de visitantes d sua empresa, obtida pelo GLOBO:
— Independentemente da forma cc mo O GLOBO obteve a lista de visitantes registrados na portaria — de certo de modo ilegal, posto tratar-se de loc« privado —, não se pode atestar a veracidade da mesma. Quem garante que sua fonte não a adulterou por alguma razã» desconhecida? Não sou o único dono da Agrobilara.
Picciani lembrou ainda que a empresa, sediada em Uberaba, "capital da pecuária nacional" tem outros quatro sócios (seus três filhos mais velhos e sua ex-mulher) e também funcionários trabalhando em seu escritório do Rio, cidade onde residem os acionistas.
Portugal disse que não sabe quartas vezes foi à Agrobilara, sempre a pedido do sindicato dos fiscais "paia pedir apoio para a aprovação de um projeto de interesse da classe dos auditores". Ele nega ter encontrado Picciani no local.
Carlos Sérgio também alegou motivação sindical para a visita à Agrobilara. Admitiu ter visto Kardec na empresa, mas disse que não se reuniu com ele, e afirmou ainda que acumulou imóveis com ajuda de financiamentos da Caixa Econômica.
Ricardo Brant, que era presidente do Sindicato dos Fiscais do Rio na época das visitas, disse que não pediu aos fiscais que fossem ao escritório de Picciani. Ele informou que a entidade fez um apelo genérico para que todos os filiados pressionassem os políticos que conhecessem, a fim de aprovar na Alerj projetos de interesse da categoria.
Os demais citados não responderam ao jornal ou não foram localizados. •
MEDIDAS INTERNAS ENCOLHERAM TRIBUTOS PAGOS POR CERVEJARIA
OS VISITANTES
¦ Carlos Sérgio Silva Janiques
Inspetor de Supermercados
¦ Cláudio Portugal Gonçalves
Inspetor de Bebidas
¦ Allan Dimitri Chaves Peterlongo
Inspetor de Substituição Tributária
¦ Arnaldo Kardec da Costa
Contador do Grupo Petrópolis
DIAS DÉCADA VISITA
2014 o 2015
27/1 | 31/1
8/4 I 30
27/6 I 30/7 124/10 I 5/11 I 10/11
A lista completa obtida pelo GLOBO não informa as datas exatas de todas as visitas
6/2 27/2 4/5
CINCO COINCIDÊNCIAS
Aliai. Pimitii
Cláudio Portugal (fiscal)
Carlos Sérgio Janiques 'fiscal)
Arnaldo Kardec (contador)
TOTAL DE VISITAS
Editoria de Arte
Ações fiscais que se arrastam sem conclusão e impedem a inscrição em dívida ativa; concessão de benefícios contrariando parecer interno; medidas que fazem o tributo encolher. O Grupo Petrópolis, fabricante da cerveja Itaipava, encontra sempre as portas abertas na Secretaria estadual de Fazenda (Sefaz). E algumas das medidas que favorecem a empresa transitaram pela Subsecretária de Receita da Sefaz, onde estão as inspetorias especializadas chefiadas por Cláudio Portugal (Bebidas), Carlos Sérgio Janiques (Supermercados) e Allan Peterlongo (Substituição Tributária até janeiro deste ano).
Foi pela Subsecretária de Receita, por exemplo, que passou, no segundo semestre de 2015, a mais recente vitória tributária do grupo. Enquanto as contas do governo estadual iniciavam uma queda rumo ao fundo do poço, uma decisão administrativa, tomada pela Fazenda, derrubou em novembro um mecanismo que permitia ao estado arbitrar o preço da cerveja no varejo, para fins de tributação. Desde então, as próprias empresas apresentam a "pauta" com os valores de referência para cálculo do ICMS.
O mecanismo derrubado, no jargão dos fiscais, chama-se "gatilho" Ao contrário de outros estados do Sudeste, como Minas Gerais e São Paulo, no Rio, quem estabelece a pauta com o preços da bebidas a ser tributado são os institutos contratados pelos fabricantes de cerveja e chope. Caso haja defasagem pela alta da inflação ou por efeitos de sazonalidade, a Fazenda não tem mais um sistema de controle que possa inpor a atualização dos valores no varejo.
NUDANÇA NO TEXTO DA LEI
Em novembro, resolução do titular da pasta, Julio Bueno, extinguiu o gatilho, instituído em dezembro de 2014 pelo ex-secretário Sérgio Ruy barbosa, para evitar fraudes como a cobrança do ICMS sobre a venda da cerveja no verão com tese em valores do inverno, quando o preço do produto é menor. Na prática, a secretaria perdeu o poder de estimar os preços nas gôndulas {ara efeito de Substituição Tributária (ST), cujo modelo de cobrança transfere o recolhimento de ICMS para o início da cadeia produtiva. O mecanismo do gatilho, que também vigora no Rio Grande do Sul, em Tocantins e no Ceará, Racionado toda vez que a pauta fornecida pelas empresas fica desatualizada. Nesse caso, o cálculo passa a ser feito tomando como base a chatada Margem de Valor Agregado (MVA), que fiz um valor sobre a operação e faz o imposto su-Èr. Com o gatilho, as próprias empresas se interessariam em manter a pauta atualizada.
i O processo de extinção do gatilho, concluído em quatro meses (de julho a novembro), não foi í única boa notícia para o Grupo Petrópolis no período. Um contencioso de mais de R$ 1 bilhão ttn créditos irregulares, acumulados por três distribuidoras de bebidas ligadas ao grupo queyroz, Praiamar e Imapi), cujos processos estão parados no Conselho de Contribuintes da Sefaz, não impediu que o governo, em novembro do ano passado, concedesse um benefício íscal de R$ 687 milhões à fabricante da Itaipava. Ia dar o incentivo, o governador Luiz Fernando pezão (PMDB) ignorou um parecer jurídico da Secretaria estadual de Desenvolvimento Economico, que desaconselhava a medida. O documento listava Uma série de riscos e ingerências na operação. Uma das ressalvas lembra que, pelas normas estabelecidas no contrata, a cervejaria poderia quitar o financiamento após dez anos, pagando antecipadamente 33% do valor do saldo devedor. Ou seja, a Itaipava pagaria R$ 226 milhões e estaria livre do problema. O restante, R$ 461 milhões (67% do investimento) ficaria na conta do estado.
Outro ponto levantado é que 87% (R$ 587,8 milhões) do incentivo dado à Itaipava correspondem a um ressarcimento por investimentos já feitos entre 2Õ08 e 2014. Nessa época, porém, ainda estava vigente um outro benefício fiscal que a cervejaria havia recebido do governo Rosinha, em 2005.
Por último, o parecer lembra ainda que não estão claras quais serão as contrapartidas da empresa, como a geração de novos postos de trabalho, em troca do pacote de bondades. O estado argumenta que o benefício dado teve o objetivo de manter 1.400 empregos em tempos de crise nas fábricas da cervejaria.
O decreto de Pezão incluiu a Itaipava no programa Rioinvest, que prevê incentivos a projetos de grande porte com recursos do Fundo de Desenvolvimento Econômico e Social (Fundes). A data da publicação do benefício foi 11 de novembro. Pouco antes, em 20 de outubro, um outro decreto alterou a redação da lei do Fundes, que vigorava desde sua criação pelo então governador Marcello Alencar, em 1997. A mudança no texto autorizou a utilização dos recursos para ressarcimento de investimentos já realizados por empresas que tenham sido contempladas no Rioinvest, como era o caso da cervejaria. Com isso, as linhas de crédito do Fundes, que só financiavam investimentos novos no estado, passaram a viabilizar também projetos de expansão e modernização.
As mudanças na lei do Fundes caíram como uma luva para a Itaipava, que de fato deverá investir mais R$ 100 milhões (além dos R$ 587 milhões já aportados de 2008 a 2014) para expandir suas fábricas em Petrópolis e Teresópolis.
Um levantamento dos processos da Itaipava no Conselho de Contribuintes, que tem a competência para julgar multas contra os grandes devedores de ICMS do estado, mostra que a Itaipava esteve invicta nesse quesito entre 2010 e 2015. No período, cem recursos do grupo Petrópolis contra multas impostas em barreiras fiscais foram apreciados, sendo todos vencidos pela cervejaria.
Diferentemente de sua maior concorrente, a Ambev, que é líder do mercado cervejeiro no país e está na lista dos maiores devedores do estado, com débito de R$ 525 milhões, o grupo Petrópolis não consta da relação. A inscrição na dívida ativa só ocorre após a empresa perder todos os recursos administrativos na Sefaz.
Também no segundo semestre do ano passado, a secretaria cortou o acesso da Coordenação de Combate à Sonegação Fiscal do Ministério Publico à base de dados fiscais, medida que prejudicou as investigações sobre grandes sonegadores. Em nota, a Secretaria de Fazenda sustenta que a decisão do fim do gatilho foi tomada devido à avaliação, feita pelo órgão, de que o mecanismo tornava a Margem de Valor Agregado muito elevada, chegando a 140%. "A Secretaria de Fazenda considera o fim do mecanismo uma iniciativa pioneira e de avanço em relação a outros estados que ainda mantêm essa margem elevada, defini-
da por mecanismo que servia a uma época de altas taxas inflacionárias. Anulamos uma margem que deixou de ter sentido em uma economia estabilizada" diz a nota.
GRUPO NEGA REGALIAS
O Grupo Petrópolis, procurado pelo GLOBO, afirma que "preencheu todos os requisitos técnicos e legais previstos na legislação para o enquadramento e a obtenção dos benefícios, desde o ano de 2004 até agora" Em nota, sustenta que os financiamentos foram concedidos após aprovação e comprovação de investimentos realizados, como exigido nesta modalidade. "Esse projeto beneficia dezenas de outras empresas de setores como siderurgia, bebidas e automóveis estabelecidas no Estado do Rio de Janeiro, conforme decretos publicados recentemente" diz o texto. O Grupo Petrópolis ressalta que não recebeu qualquer "benefício que não tivesse sido concedido aos demais"
Enquanto a cervejaria recorre a benefícios do governo, não lhe falta dinheiro para ajudar políticos. Nas eleições de 2014, segundo dados que constam no site do Tribunal Superior Eleitoral, as doações do Grupo Petrópolis somaram R$ 101,1 milhões. Nos estados, o PMDB-RJ, presidido por Jorge Picciani, foi o partido campeão na lista de contribuições da cervejaria. O Grupo Petrópolis repassou R$ 10,8 milhões ao PMDB fluminense, o equivalente a 33% do total (R$ 32,5 milhões) de doações feitas a comitês, diretórios estaduais e direções nacionais dos partidos.
Picciani coordenou, na última eleição, a campanha do governador Luiz Fernando Pezão (PMDB), que recebeu R$ 1 milhão em doações do Grupo Petrópolis, de acordo com dados do TSE. No ranking das doações da cervejaria aos estados, depois do PMDB-RJ, aparece o diretório estadual do PSB de Pernambuco, com R$ 3 milhões. •
UMA DINASTIA
NEGÓCIOS QUE TAMBÉM ENVOLVEM OS HERDEIROS
Em 2011, o filho do inspetor de ICMS Carlos Sérgio Janiques, Lucas Cardoso Janiques.com 19anos, comprou em leilão, por R$ 102 mil, a vaca Annabela do Tarim, de Paulo Roberto Trindade Júnior. 0 vendedor é filho de Paulo Afonso Trindade, parceiro de Picciani em negócios pecuários e dono da Investplan, uma das principais prestadoras de serviços de informática ao governo estadual. Ao arrematar a vaca, Lucas tornou-se sócio da fazenda Nova Trindade, da família Trindade, em Uberaba (MG). Segundo Carlos Sérgio, seu filho não é pecuarista e a vaca custou um quarto desse valor.
Em seu perfil no Instagram, Lucas mostra imagens de uma casa em Búzios; de uma viagem com o pai para o torneio de tênis US Open, em Nova York; e do camarote de uma grande rede de supermercados na Sapucaí, onde aparece usando a camisa da empresa, no desfile do Grupo Especial em 2015.
Já Felipe Picciani, filho de Jorge Picciani, é sócio de Walter Faria, o proprietário da Itaipava, na Tamoio Mineração, a principal fornecedora de brita para as obras olímpicas do Rio. Felipe, ao contrário dos irmãos Leonardo (deputado federal) e Rafael (deputado estadual), não ingressou na carreira política. Na família, sua função é administrar as fazendas do Grupo Monte Verde. Ele divide otempo entre a sede da Agrobilara, na Barra, eas fazendas da família.
Além de ser sócio de Felipe na mineradora, Walter Faria comprou gado diretamente da família Picciani (em 2011, pagou quase R$ 3,45 milhões por 150 cabeças, quitados em parcelas) e em leilão (em 2009, desembolsou para o amigo R$ 440 mil por metade dos direitos comerciais sobre a vaca Florença).
ROBERTO, O 'LARANJA' QUE É DONO DE CEM DISTRIBUIDORAS DE BEBIDA
Ifm par de olhos espia pela fresta o portão entreaberto na Rua Silva Fernandes 184, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. O prédio abriga quatro distribuidoras de bebidas ligadas ao Grupo Petrópolis, sendo três delas — Imapi, Fraiamar e Leyroz — devedoras de mais de R$ 1 bilhão ao fisco estadual! O dono dessas empresas está por trás de outras 97 distribuidoras da cerveja Itaipava. É o empresário Roberto Luís Ramos Fontes Lopes. A funcionária que olha pelo portão alega que o "doutor Roberto" não costuma aparecer porque mora em São Paulo, de onde comandaria o grupo.
Na firma, não há sinal da Itaipava. Pelo menos uma das distribuidoras ali instaladas já complicou "doutor Roberto" Ele responde a um processo por fraude tributária contra a Receita Federal e foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) por formação de quadrilha, falsidade ideológica e corrupção ativa, todos os crimes relacionados à Praia-mar. Uma placa na entrada do escritório informa os CNPJs das distribuidoras. Não são os mesmos do passado. Nomes e CNPJs de empresas de Roberto Luís vivem mudando. A Leyroz, cujo contencioso com o governo do Rio é de R$ 326 milhões, recebeu baixa e agora se chama E-Ouro Gestão e Participação.
A estratégia de mudar a razão social das empresas de Roberto e/ou de dar baixa nelas é recorrente. Foram identificados mais de 20 casos em consulta ao site da Receita Federal. De acordo com documentos do MP paulista aos quais O GLOBO teve acesso, investigações mostram que a prática pretende esconder cobranças tributárias espalhadas pelo país e evitar o redireciona-mento do passivo para a personalidade jurídica da Petrópolis, protegendo a da tributação.
Para o Ministério Público, Roberto, com suas cem distribuidoras, atua como testa de ferro do Grupo Petrópolis. De acordo com o MP, um dos esquemas de fraude envolvendo a cervejaria é concentrar nas distribuidoras o pagamento dos impostos cobrados pelo modelo de substituição tributária, o ICMS-ST (um ente da cadeia produtiva paga pelo outro e repassa esse custo para o ente seguinte).
Os promotores paulistas afirmam que a Petrópolis estaria fazendo operações simuladas de transferências de bebidas entre a fábrica de Boituva, cidade paulista a 122 quilômetros da capital, e uma de suas filiais no Rio para sonegar o ICMS-ST. Sendo fabricante de um produto sujeito à substituição tributária, a em-
presa deveria recolher tanto o ICMS próprio, devido por suas operações, como o incidente nas demais etapas da circulação da mercadoria (atacado e varejo). Ocorre que o ICMS-ST não se aplica em operações de transferência entre unidades da mesma empresa. Nesse caso, o tributo cabe ao estabelecimento destinatário, no caso as distribuidoras vinculadas a Roberto.
Segundo a promotoria de Sorocaba, as investigações revelaram que as distribuidoras só existiam para burlar o fisco, já que as empresas não têm patrimônio para honrar as dívidas. Dados da Operação Czar, do fisco paulista, estimam que, com o esquema, o Grupo Petrópolis teria deixado de recolher cerca de R$ 600 milhões ao estado de São Paulo de 2006 a 2011.
Por intermédio do advogado, Ricardo Pieri, o empresário alega que o Ministério Público de São Paulo pediu o arquivamento da investigação, "tornando a suspeita manifestamente improcedente". Quanto ao número de distribuidoras, explicou que se deve à dimensão da operação à época, quando suas empresas contavam com mais de dez mil funcionários em diversos estados.
As planilhas apreendidas pela Operação Lava-Jato na casa de um dirigente Odebrecht e divulgadas na semana passada indicam que a cervejaria pode ter usado as distribuidoras de Roberto Luís para mascarar doações eleitorais a políticos. •

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