Rio em Transe
A prisão dos deputados do PMDB da
ALERJ na quinta feira da semana passada (dia 16/11) ofuscou o lançamento do livro
do ex-secretário de Fazenda e de Desenvolvimento Econômico Júlio Bueno sobre a
crise no Estado do Rio de Janeiro.
O livro tem um titulo muito feliz de “Rio
em Transe: No Núcleo da Crise" parodiando o clássico do cinema novo do
genial Glauber Rocha "Terra em Transe". Assim como o filme, a crise
do Estado provocou e vem provocando um intenso debate sobre seu significado. E cada um faz a sua análise a partir de um ponto de vista. As
vezes embasado, as vezes emocional, mas todos que viram o filme e vivem a crise
não conseguem ficar indiferentes: Emitem uma opinião.
De cara o prefácio joga um balde de água
fria em quem desejaria ler intrigas de bastidores, fofocas e ações de personagens.
No inicio vem o aviso “Haverá frustração dos que esperam linchamentos
públicos ou revelações bombásticas”. Mas olhando amiúde, aqui e ali, um
observador atento conseguirá perceber algumas críticas e alfinetadas.
O livro é composto por duas partes: A
primeira escrita pela ex-assessora de comunicação Juliana Farid e uma segunda
assinada pelo próprio ex-secretário.
Na primeira parte há uma sensação um déjà vu por relatar acontecimentos muito recentes vistos pela ótica de quem estava dentro do
olho do furacão. Há que se ressaltar que o texto é Impecavelmente escrito e com ritmo literários, por isso se torna uma
leitura prazerosa para quem viveu aqueles dias intensos e difíceis na SEFAZ.
O tom de profunda admiração da autora
pela figura do ex-secretário as vezes escorrega um pouco e se assemelha à mera bajulação,
mas é compreensível carregar nas cores de eventos tão intensos e tão recentes.
Julio Bueno na visão da autora aparece
como um cavaleiro quixoteano enfrentando todo tipo de interesse e pressão.
Alguns erros de sua passagem são convenientemente esquecidos. Um desses erros de comunicação nos
atingiu diretamente: O envio de e-mail do próprio Secretario para todos os
servidores da secretaria mandando cortar o ponto de grevistas sem salário. Esse fato chocou a todos na Fazenda, mas nos garantiu uma decisão judicial imediata do
Presidente do Tribunal de Justiça proibindo o corte de ponto. Esse fato foi emblemático
porque foi a primeira vez que um titular da pasta se dirigiu a toda os
servidores da secretaria por e-mail desde que a ferramenta foi implantada.
Mas esse era o estilo do
ex-secretário: impulsivo e diligente. O que, segundo o relato da ex-assessora
de imprensa, lhe deu muito trabalho pra administrar a impetuosidade de Júlio em falar com a imprensa sem "filtro".
Jaqueline cita os analistas da
fazenda no livro de forma que pode ser interpretada como um pouco negativa, por, na sua visão, estarmos entre os
funcionários que passavam pauta para a imprensa.
Cabe ressaltar que apesar de, como
servidores, termos acesso a praticamente todos os sistemas da SEFAZ, a ANAFERJ
sempre trabalhou com dados públicos. Os jornalistas sempre nos procuraram
buscando entender o conteúdo das postagens em nosso site que citavam
números e situações que nem sempre eram agradáveis para o Secretário explicar,
mas sentíamos que era nosso dever informar ao conjunto da sociedade e
servidores. Essa prática acontecia antes, durante e depois do tempo de Júlio
Bueno na SEFAZ e permanece até hoje.
E se a função dela era cuidar da
imagem do seu chefe, a nossa era (e ainda é) muito mais difícil e duradoura:
Garantir o nosso salário todo mês, fiscalizar a sustentabilidade das contas do Estado e lutar para termos alguma aposentadoria na velhice.
Um ponto de autocrítica importante que os dois fazem é
quando ela assume que o Secretário “Não conseguia mais se dedicar aos assuntos
internos da Secretaria (...) Todos os planos de gestão fazendária estavam sendo
sistematicamente postergados por causa da emergência de apagar incêndios”. Esse
era o nosso sentimento. O ex-secretário se envolveu pessoalmente no trabalho de
obtenção de receitas extraordinárias em 2015 e deixou a gestão interna na mão
de pessoas que não eram capacitadas ou não eram de sua estrita confiança.
Júlio trouxe uma equipe muito pequena
de pessoas da SEDEIS e usou muito do material humano que foi deixado na SEFAZ
por seu antecessor e, dizem, desafeto, Sérgio Ruy Barbosa.
Ingenuamente a autora tece elogios
nominalmente a um grupo de pessoas, sem ter conseguido identificar e orientar
seu chefe para o fato de que entre elas estavam os maiores inimigos do
ex-secretário dentro da pasta. Pessoas de ego inflado que não engoliam o jeito
espontâneo e a franqueza, por vezes áspera, do ex-secretário.
Essas pessoas passavam informações
erradas, incompletas ou distorcidas ao Secretário e foram responsáveis diretas,
na nossa visão, por decisões equivocadas que ele tomou no tempo que esteve na
nossa casa.
Alguns desses erros aparecem
relatados no livro, como o de que Auditores Fiscais tem um fundo vinculado
(quando na verdade é de toda a Secretaria) e que o Estado tinha “apenas” 5 mil
comissionados, quando na verdade tinha um exército de mais de 20 mil servidores
nomeados sem concurso durante a sua passagem aqui. (um sofisma usado pelo
planejamento que convenientemente excluía funções de confiança, nomeações de
diretorias, conselhos e temporários).
A segunda parte do livro escrita diretamente pelo
ex-secretário é menos descritiva e mais técnica, com avaliação da crise e
diversos gráficos e números.
É importante lembrar que antes de assumir a SEFAZ Júlio Bueno foi o general do RJ na
Guerra Fiscal, concedendo benefícios para atrair empresas ao nosso Estado.
Posteriormente na crise os benefícios fiscais entraram na berlinda e ele que era visto como gênio, passou a ser criticado. No livro Júlio defende a sua atuação e como bom vendedor, elenca os
golaços de placa: Nissan, Land Rover e Procter & Gamble e por um lapso de
memória esquece de benefícios pra lá de controversos como os obtidos pelo Grupo
Petrópolis, por exemplo.
Quando fala de setores, como o de
jóias, Júlio Bueno mostra números que provam que a redução da alíquota, encolheu a informalidade e aumentou a arrecadação total no setor. Elogia a
estratégia como inteligente, mas a pergunta fica: Essa redução não poderia ser
temporária? E depois de “mapeado o mercado”, o Estado não poderia ir subindo
progressivamente a alíquota já sabendo onde e quanto cada um deveria pagar?
Enfim talvez esse episódio do segmento de jóias mostra que talvez o pensamento desse governo esteja tão contaminado ideologicamente por ideias ultra-liberais que isso atrapalha na missão de arrecadar e combater a sonegação. Afinal o setor joalheiro não é exatamente estratégico e depois se provou que o ex-governador Cabral usava para ocultar patrimônio.
Por sinal, um momento que gerou sentimentos
conflitantes no livro foi a defesa de Sérgio Cabral que teria se corrompido, segundo
Júlio Bueno por “infantilidade” ou por “provincianismo”. Se de um lado é raro e comovente a lealdade ao ex-comandante, tão execrado na imprensa e pela
população, de outro fica a impressão de que há uma irritante complacência com
os desvios de caráter do ex-governador, já condenado a essa altura a vários
anos de prisão.
Júlio Bueno tem uma visão ultra-liberal de
mercado e depois de tanto tempo na SEDEIS vê a guerra fiscal com naturalidade e
parece acreditar mesmo que o único papel do Estado deva ser o de financiar
investimentos, reduzir riscos dos empreendedores e gerar lucro para as
empresas. Ao falar dos tempos de bonanças do Estado como mérito da gestão Cabral, parece incorporar o
espírito do empreendedor brasileiro que quando faz sucesso é sempre por mérito próprio
e quando falha, a culpa é sempre de fatores externos ou do governo.
A melhor parte do livro, sem dúvida é
quando Júlio Bueno discorre sobre a cadeia produtiva do petróleo e a injustiça
na tributação dessa Commodity. Explica de forma didática como funciona o Repetro, onde e porque ele precisa mudar. Discorre com propriedade sobre royalties e participações especiais, além de aprofundar um pouco sobre a cobrança de ICMS do Petróleo no destino e como isso prejudica o nosso Estado. Tudo embasado em números e tabelas. Júlio
demonstra toda a experiência adquirida em décadas de Petrobras e como
integrante do governo de 2 estado produtores: RJ e ES.
O livro é uma leitura agradável e importante
para quem quer ter uma outra visão sobre a crise do Rio, por mais que nem
sempre seja possível concordar com o que está escrtio, é enriquecedor ler seu posicionamento. Deixemos que
a História julgue suas ideias e ações.
Júlio talvez tenha sido o mais humano
e simpático secretário dos últimos anos de nossa secretaria. Sempre nos atendeu
prontamente e mesmo nos piores embates em meio a socos na mesa e palavrões
nunca perseguiu ou retaliou nenhum servidor. Homem correto e gestor experiente
seguiu sempre a máxima de não matar o mensageiro.
Vendo o que temos hoje na SEFAZ, seu estilo transparente e afetuoso faz
muita falta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário