sexta-feira, 4 de maio de 2018

Entrevista - Pobres pagam mais impostos que os ricos


Nelson em primeiro plano com Analistas na ALERJ
O Jornal A Verdade entrevistou Nelson Antunes Júnior, Diretor Executivo de Comunicação da Associação dos Analistas da Fazenda Estadual do Rio de Janeiro (Anaferj). Formado em Ciências Humanas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e pós-graduado na Escola de Pós Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas, Nelson explica os prejuízos da falta de critérios da política de isenção fiscal promovida petos governos e defende uma profunda reforma tributária como caminho para diminuir as desigualdades sociais no Brasil.
Marcos Villela, Rio de Janeiro
 
A Verdade - Estudos apontam que, no Brasil, 2,4%o dos mais ricos concen­tram mais da metade das isenções do Imposto de Renda de Pessoa Física. Porque isso acontece?
Nelson Antunes - Um sistema de tribu­tação justo deve ser progressivo, ou seja, quem ganha mais precisa contribuir com mais. No Brasil existe um sistema tribu­tário perverso. Aqui se taxa principalmente a produção e o consumo. A tribu­tação sobre herança e património é ridi­culamente baixa cm comparação aos paí­ses desenvolvidos. A tributação sobre renda tem uma alíquota máxima de 27.5%. quer dizer, quem ganha R$ 5 mil paga a mesma alíquota máxima de quem ganha R$ 10 mil, RS 20 mil, RS 100 mil ou RS 1 mi­lhão. Qualquer pessoa sensata concordará que Isso é um absurdo. Em outros paí­ses a alíquota mais alta varia de 39,5% (EUA) a 50% (Inglaterra, França e Aus­trália. por exemplo).
Além disso, desde o Governo FHC, os lucros e dividendos que a Pessoa Físi­ca retira de Pessoa Jurídica são isentos. Isso acarretou uma “pejotização” do mer­cado de trabalho, principalmente entre profissionais liberais que ganham muito, o que contribuiu para a queda de arrecadação, inclusive da Previdência Social. Nos Estados Unidos, país padrão dos liberais, se paga 22% sobre lucros e dividendos. O resultado disso no Brasil é que os pobres gastam uma parcela maior de sua renda com im­postos cm relação aos ricos.

Existe hoje uma campanha intensa que visa vender a ideia de que tudo que é público é pavoroso: ineficiente, corrupto e perdulário, E que o setor privado é um poço de virtudes: Eficiente, honesto e produtivo. Isso é manipulação ideológica.”

A Verdade - É possível corrigir essa injustiça?
Nelson Antunes - Sim, mas quem tentar vai enfrentar mui­tas resistências. Acima de tudo, precisa­mos urgentemente de uma reforma tri­butária que desonere a produção c o con­sumo, regulamente o imposto sobre gran­des fortunas, volte a tributar lucros e divi­dendos e traga justiça tributária ao Bra­sil. O Estado brasileiro precisa deixar de ser um Robin Hood às avessas c come­çar efetivamente a ser um agente que promova justiça e igualdade social, como prevê nossa Constituição.

­
A Verdade - No Rio de Janeiro, o governador Pezão (MDB) lançou mão das isenções fiscais para as grandes empresas...
Nelson Antunes - Falar de isenções fiscais no período Cabral-Pezão é complicado, pois as investigações mostraram que as motivações dessas isenções não foram nada republicanas... De toda forma, o que motiva as isenções no Pais é a guerra fiscal. Ela existe pela falta de uma política tributária coerente. Há uma guerra entre os estados para atrair investimentos, onde os únicos beneficiados são os grandes empresários. Eles fazem um leilão entre os estados e conseguem muitas vezes instalar indústrias sem gastar um centavo: ganham o terreno de graça, financiamento subsidiado para construir e ainda têm décadas de isenção. Não há fiscalização efetiva e transparente para garantir que os compromissos com a geração de emprego e com o investimento sejam respeitados.

A Verdade - É possível ser diferente?
Nelson Antunes - Com certeza. Bastaria o País adotar uma política federalizada, com alíquotas padronizadas, em que a União e os estados discutam e cheguem ao difícil consenso sobre regiões onde realmente exista um “vazio” de investimentos e empregos e onde seja necessário atrair empresas com alíquotas mais baixas para fomentar a atividade econômica.
No Rio de Janeiro, a maioria das isenções fiscais foi concedida na Região Metropolitana, mostrando que não houve qualquer critério ou planejamento. Me chama a atenção as isenções dadas ao setor de petróleo. O Rio de Janeiro extrai 70% do petróleo do Brasil. Toda essa riqueza está no nosso litoral e não em outros estados. Mas, mesmo assim, os governos dão isenção.

A Verdade - Você falou do setor de petróleo, em que as privatizações têm avançado nos últimos anos.
Nelson Antunes - Existe hoje uma campanha midiática intensa que visa a vender a ideia de que tudo que é público é pavoroso, ineficiente, corrupto e perdulário, e que o setor privado c um poço de virtudes, eficiente, honesto e produtivo. Muitas pessoas acabam acreditando nessa propaganda ideológica liberal e reproduzem o discurso de que privatizar nosso património é melhor. Esquecem, entretanto, que a situação da maior parte das empresas privatizadas nos anos 1990 é bastante complicada atualmente.
A OI está quebrada, devendo biIhões em impostos. A Vale cometeu o maior crime ambiental da história do Brasil e segue impune, sem pagar um centavo de multa, além de também dever impostos. A Light (empresa de energia elétrica do Rio de Janeiro) foi responsável pela morte de várias pessoas vítimas de explosões de bueiros e presta um serviço horrível à população. O Metro Rio e a SuperVia não compraram um trem sequer nem assentaram um centímetro de trilhos em 20 anos (todo investimento foi leito pelo Estado), mas cobram tarifas altas e prestam serviços ruins. A Embraer estatal era orgulho nacional, investimos bilhões na formação do corpo técnico e em tecnologia, mas tudo isso acabou de ser dado para a Boeing.
O curioso é que, apesar da propaganda de que a empresa pública é sempre uma coisa sucateada e imprestável, quando é anunciado um leilão de uma empresa pública, aparecem diversos interessados na compra.
Na realidade, o que há é uma forte disputa pelo orçamento público. Os mais ricos querem o orçamento público apenas para eles em forma de: pagamento de juros nas aplicações financeiras, empréstimos subsidiados de bancos estatais, além de incentivos e deduções fiscais. E pior: Se o negócio deles enfrentar problemas, eles querem que o governo perdoe suas dívidas em Refis e tenha recursos pra cobrir seu prejuízo com mais empréstimos de bancos públicos com juros camarada.
Ou seja, hoje o lucro é privatizado e o prejuízo é estatal. Isso não é bom para o país e a maior parte da população.

A Verdade - E o funcionalismo público, o que tem a ver com essa questão?
Nelson Antunes - Tudo, pois fazemos parte dessa sociedade. Não somos imunes à propaganda maciça dos meios de comunicação. Alguns colegas da minha própria carreira repetem chavões que veem na mídia ou em Redes Socias, como “O Brasil tem a maior carga tributária do mundo” ou “O Estado é meu inimigo”, “imposto é roubo” e outras bobagens. Servidor público ultra-liberal, que prega o Estado Mínimo é um fenômeno curioso e que me envergonha muito. É como se uma árvore defendesse o desmatamento. (risos).
Acredito que seria muito bom se o servidor público e a sociedade passassem por um processo de desintoxicação de tanta informação ruim que recebem. Nós precisamos entender que nosso papel é prestar um bom serviço à população e denunciar irregularidades e más condições no exercício de nossas atividades. Temos que transformar a maioria esmagadora da população que usa e depende dos serviços públicos, em nossos aliados. Exigindo condições de trabalho e salário digno.
E por fim, precisamos ter coragem de enfrentar a propaganda e dizer que o Estado brasileiro na verdade é muito pequeno comparado a outros países e frente às necessidades de nossa enorme população. A maior parte dos brasileiros depende dos serviços do Estado. Precisamos transformar essa maioria numérica em maioria política.


Nenhum comentário:

Postar um comentário