segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Entrevista com o Governador - 03/01/2016


Governador anuncia que cortará R$ 1,5 bilhão em gastos este ano
'O estado tem de caber dentro de sua arrecadação’, diz Pezão

POR ELENILCE BOTTARI / PAULO MARQUEIRO
03/01/2016 5:00 / atualizado 03/01/2016 12:08

Pezão fala sobre a crise do Estado do Rio - Ana Branco / Agência O Globo
RIO — Cercado em seu gabinete por três imagens de Nossa Senhora Aparecida, uma de Nossa Senhora Desatadora dos Nós e uma de São José, o governador Luiz Fernando Pezão participou este ano de várias romarias, incluindo a de Aparecida, e até retirou do Palácio Guanabara um quadro que tinha fama de causar mau agouro. Paralelamente, cortou R$ 1,6 bilhão em gastos. Ainda assim, para fechar o caixa de 2015, precisa de R$ 2,8 bilhões. E, como santo de casa não faz milagre, já decidiu aumentar o ICMS. Agora, afia a tesoura dos gastos para cortar mais R$ 1,5 bilhão entre custeio e pessoal terceirizado, fatia maior do que o orçamento da Polícia Civil em 2015 (R$ 1,4 bilhão). Nos próximos dias, o governo deve anunciar medidas para apertar o cinto, como a extinção de 20 empresas e autarquias, a redução de contratos com Organizações Sociais (OS) e o corte de carros e celulares de seus secretários e assessores. Em entrevista ao GLOBO na manhã de quarta-feira, no Palácio Guanabara, Pezão falou sobre suas estratégias para enfrentar a crise que chegou a paralisar o funcionamento de hospitais e UPAs.
O que falta para o senhor fechar as contas de 2015?
Eu cortei R$ 1,6 bi, mas ainda faltam R$ 2,8 bi.
E como vai fazer para governar em 2016?
Cortando em todas as áreas. Carros, contratos, reavaliando contratos. A gente gasta hoje cerca de R$ 70 milhões por ano de aluguel. Eu quero ver se centralizo isso tudo e racionalizo. Estou vendo um grande prédio, um centro administrativo do estado, com todas as secretarias, racionalizando assim os serviços de segurança e limpeza. Também estou cortando os carros dos secretários, celulares, serviços de telefonia. Estamos vendendo aquele antigo helicóptero do Brizola, e passamos alguns (helicópteros) para as polícias Civil e Militar. Vão ficar três à disposição do governo do estado. Vou ver se vou vender dois ou três. Tem um banco de imóveis no Rio Previdência e tem mais os (imóveis) do metrô que a gente está vendo como liberar, porque eles estão garantindo hoje passivos ainda da época da privatização. Mas há cerca de 300 terrenos que eu quero vender, ou usá-los como garantia para fazer a Linha 2 (Estácio-Carioca-Praça Quinze) ou como forma para reforçar o caixa.
Esse corte prevê a extinção de secretarias?
A princípio, de empresas e fundações. Durante os próximos três meses, vamos avaliar tudo. Entre empresas e autarquias, 20. Algumas (extinções) já em janeiro. Vamos começar pelos terceirizados, contratos de serviços, gratificações especiais. Vou mexer nas terceirizadas, nas OS, diminuir bem o corpo de serviços. Tem que cortar, não tem jeito. O estado tem de caber dentro de sua arrecadação.
Diante da crise, o senhor pensa em privatizar a Cedae?
Não. A gente vai fazer a concessão de todo o esgoto da Baixada Fluminense e estamos vendo uma forma de melhorar a cobrança da água, tanto na Baixada como em São Gonçalo. Estou liberando agora mais R$ 1,5 bilhão para fazer o Guandu II, estamos com nove grandes obras na Cedae, e os recursos estão sendo liberados. Eu não posso fazer agora esse processo, porque eu tenho R$ 3,5 bilhões para receber do governo federal.
Para o senhor, quais as razões da grave crise do estado?
Nós mandamos o orçamento com o barril (de petróleo) a US$ 115 e estamos recebendo repasses com o barril a US$ 36. As pessoas falam que o Rio tem que tirar essa dependência do petróleo, fazer biomassa. E como é que se tira? Não é num estalar de dedos. A gente fez o dever de casa. A gente atraiu a indústria siderúrgica, a Votorantim, a CSA. A automobilística, com a Nissan, a Volvo, a Land Rover, a Jaguar, a Peugeot-Citröen. E ainda teve vinte e poucas empresas que se instalaram ao longo do Arco Metropolitano.
Mas é só jogar a culpa no petróleo?
Não estou jogando a culpa só no petróleo. Esta é uma das causas. A outra é a Petrobras. Porque se ela puxa o Brasil para baixo, imagina o Rio. Os royalties representam R$ 2 bi, mas a atividade petróleo, esta representa uns R$ 6,5 bi. Nós somos muito dependentes do petróleo, e tirar essa dependência não é fácil. O setor responde por 33% do PIB do estado. Isso é mortal para o Rio e é mortal para o país.
Mas o governo não gastou muito também?
As demandas da sociedade são muito grandes. Gastou o que podia gastar. Agora, a gente vai ter que recolher, porque não tem mais esse nível de entrada de recursos. Claro, você pode falar: fez muitas UPAs, fez o Instituto do Cérebro. Tem que diminuir. Infelizmente, tem que diminuir.
Em que o senhor errou?
Eu tenho diversos deveres de casa a fazer, não tiro minha culpa pelos erros que nós cometemos em 2015. Porque eu deveria ter cortado mais ainda, eu deveria ter aumentado imposto em 2014, como me falaram. Eu não quis aumentar, achei que, não aumentando o imposto, a atividade econômica poderia voltar, este foi o erro que cometi. Mas não me arrependo de nada. Agora vou cortar mais. Não é trivial um governo de continuidade cortar o que nós cortamos, mas vou ter que cortar mais para fazer essa travessia, mas espero também melhorar a nossa cobrança. Nós temos um nível de inadimplência muito grande. O Rio Grande do Sul, com diversos problemas, tem um nível de inadimplência de 4% a 5%. Eu tenho mais de 25%. Então, eu tenho um dever de casa a fazer. Vou vender a dívida ativa nos primeiros 60 dias, vou fazer uma licitação de ônibus intermunicipais que não é feita há anos, vou correr atrás de receita e fazer o dever de casa na gestão, cobrar melhor na saúde, ver essa conta como fecha. E também quero discutir os repasses da saúde. Não dá para o estado receber só R$ 45 milhões e a cidade do Rio, R$ 190 milhões. Não tenho nada contra o Eduardo (Paes) receber isso, mas eu quero ter pelo menos os mesmos R$ 190 milhões. Eu quero uma saúde extraordinária aqui.
E o que o senhor planeja mudar na saúde?
Vou discutir com o Ministério da Saúde e o prefeito. Eu tenho que discutir com eles o Samu. O Rio de Janeiro é o único estado que faz Samu. No restante do país, isso é atribuição das prefeituras. O que for do estado eu vou fazer, e quero saber o tamanho que eu posso ter. E o que for serviço da prefeitura, que ela assuma.
Uma grande preocupação são as obras do metrô. O senhor tem falado que podem parar…
Eu não falei isso em nenhum momento...
Mas o seu secretário de Transportes, Carlos Roberto Osorio, falou sobre o risco de paralisação...
O Osorio, se abrir uma geladeira, ele acha que é flash e começa a falar. A obra é financiada com recursos do BNDES e a presidente Dilma me garantiu que vai liberar. A obra (Linha 4) vai de vento em popa. O tatuzão está indo agora para os 700 metros finais.
PEZÃO RETIRA DO GABINETE OBRA ‘CARREGADA’, SOBRE MORTE DE ESTÁCIO DE SÁ
Os esforços do governador Luiz Fernando Pezão para tentar contornar a crise do estado não pouparam nem mesmo a obra do pintor Antônio Parreiras “Alegoria da morte de Estácio de Sá” (ocorrida em 1567). O quadro, de 1,60m x 2,10m, que ocupava uma das paredes do gabinete de Pezão, no Palácio Guanabara, começou a ser tratado como uma fonte de energias negativas. A sentença de despejo, no entanto, foi dada pelo cantor Jorge Ben Jor, durante uma visita à sede do governo.
— Ele chegou aqui, deu três batidinhas na moldura e disse: “está muito carregado, tira” — contou o governador, que é da Igreja Messiânica.
Na dúvida, Pezão não pensou muito: ainda antes do Natal, Estácio de Sá deixou o gabinete, abrindo passagem para Dom Pedro I, retratado na pintura de Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo.

— Bastou ele sair e começou a entrar dinheiro — afirmou Pezão.
De 22 de dezembro até o último dia 29, os cofres do estado receberam cerca de R$1 bilhão por meio de leis de incentivos que permitiram a diversas empresas quitar suas dívidas. Entre elas, está a Refinaria de Manguinhos, que, segundo o governador, não pagava imposto há dez anos. No último dia do ano, Pezão recebeu ainda uma ajuda de R$ 45 milhões da União para a saúde.

O quadro de Antônio Parreiras descansa agora em outro setor do palácio. Mas não ficará ali por muito tempo. Segundo Pezão, o destino da obra será, “possivelmente”, o Museu do Ingá, em Niterói.

Nenhum comentário:

Postar um comentário