segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Entrevista secretário ao Jornal O Dia

O secretário se diz a favor de acabar com a estabilidade do servidor, exatamente em um momento em que o governo está devendo salário. 
Pra completar a falta de tato, ainda elenca algumas carreiras que deveriam seguir estáveis. Como se estivéssemos um sistema de castas, onde uns tem mais direito que outros.



 - Atualizada às 

'Sem medidas drásticas, quebra todo mundo', diz secretário de Fazenda

Julio Bueno, não usa meias palavras para apontar o único caminho, segundo ele, para evitar 'o caos' nos serviços públicos em 2016 ou 2017

AZIZ FILHO E ALESSANDRA HORTO



Julio Bueno: 'Sou a favor de quebrar a estabilidade do servidor. Temos que ter esse instrumento'
Foto: Alexandre Brum

Rio - No olho do furacão, administrando uma das piores crises financeiras da história do estado, o secretário de Fazenda, Julio Bueno, não usa meias palavras para apontar o único caminho, segundo ele, para evitar “o caos” nos serviços públicos em 2016 ou 2017. Segundo o homem das finanças de Pezão, se o governo federal e os governadores não adotarem medidas drásticas, como uma reforma previdenciária que adie tempo de aposentadoria, a quebra da estabilidade do servidor público e uma moratória negociada de três anos nos juros das dívidas dos estados com a União, não haverá alternativa para estados como o Rio a não ser o calote. “A previdência é dramática.E absurdamente central fazer isso, e vai quebrar todo mundo se não for feito”. Para ele, sem enfrentar o problema em aliança com os governadores, o governo Dilma corre o risco de repetir o de Fernando de la Rúa na Argentina, em 2001, que “se liquefez pelas províncias e foi à debacle”. Julio Bueno leva amanhã ao Palácio Guanabara a sugestão de criar uma lei de responsabilidade fiscal estadual. 
O DIA: Qual é o tamanho do buraco?
JULIO BUENO: O buraco cresce a cada minuto, por uma questão muito simples: a arrecadação diminui a cada minuto. Não é uma questão só do Rio, é do Brasil. Quando o orçamento foi feito em 2014, o ICMS previsto para 2015 era de R$ 37 bilhões, e hoje temos R$ 31 bi. O petróleo estava a US$ 120 o barril, hoje bateu US$ 43. O déficit previsto em fevereiro era de R$ 13,5 bilhões, hoje está em R$ 16 bi. A gente só conseguiu fazer quase R$ 13 bilhões.
Mas as coisas não aconteceram de uma hora para a outra. Não deveriam ter feito cortes antes, ser menos otimista?
De jeito nenhum. O que aconteceu na economia brasileira foi um tsunami, ninguém podia admitir um quadro recessivo desse tamanho. Todos os bancos previam uma recessão pequena, de 0,5%, mas chegou a 3,5%. Segundo ponto: a despesa pública no quadro institucional vigente é incomprimível. Nosso orçamento de despesas este ano é de R$ 65 bilhões: R$ 23 bilhões de pessoal, que é estável, R$ 16 bi de inativos, R$ 10 bi de transferências constitucionais aos municípios, R$ 8 bi de juros da dívida do estado, basicamente com a União, e sobram R$ 8 bi para todas as despesas: pagar hospitais, bibliotecas, merenda e tudo mais. Essa é a tragédia da área pública brasileira.
E qual é a saída?
A saída não é só para o Rio, somos todos sócios da crise. Por exemplo, eu não consigo mexer na previdência, na idade mínima da aposentadoria. Não consigo estabelecer o piso do salário mínimo, desvincular da previdência. A vinculação de recursos é de uma burrice oceânica. De R$ 100 que entram, R$ 91 já têm destinação. A questão estruturalmente só se resolve no Congresso Nacional. Então tem que aumentar a receita. Mas já fizemos receitas extras, o governador tem feito coisa de maluco, vendendo dívidas, negociando. Mas ainda não dá, precisamos cortar mais. Acho que ele vai tirar o carro do secretário de Fazenda, vou ter que trabalhar de metrô.
E os R$ 8 bilhões de juros da dívida?
Tem que renegociar. A gente está pagando de juros perto de 16%. Devíamos R$ 22 bi em 1997, quando fizemos a renegociação, já pagamos R$ 40 bi e ainda devemos R$ 60 bilhões. Municípios, estados e governo federal precisam negociar uma agenda de cortes, que envolvem previdência, desvinculação de recursos, redução de cargos de confiança e redução de custeio sobre o PIB. Se o governo fizesse articulação, os governadores entrariam na briga pela reforma da previdência porque seriam favorecidos. O governo precisa do apoio dos governadores.
Então não existe solução sem cortar a previdência?
A previdência é dramática. O déficit atuarial da previdência federal é de R$ 1,2 trilhão, e dos estados é de R$ 2,4 trilhões. São R$ 3,6 trilhões. É absurdamente central fazer isso, e vai quebrar todo mundo se não for feito.
O que seria quebrar?
Não vamos conseguir cumprir com os nossos deveres, como Saúde, Segurança, ou seja, um caos. Se a gente não fizer a reestruturação, o caos pode não acontecer em 2016, mas vai acontecer em 2017.
Qual é a reestruturação possível?
Sobre as despesas previdenciárias, o jeito é fazer daqui para frente e ir acertando. Não pode ter gente que se aposenta com 48 anos. Temos aposentadorias especiais demais no Brasil. Há uma lista de coisas para fazer. Vai demorar, mas vamos ajustando e diminuindo o déficit. Isso é o lado da despesa. Fazendo isso, tem que ir para o lado da receita. E para aumentar a receita, a primeira providência é aumentar imposto, lamento dizer isso à sociedade brasileira.
Como será 2016?
Do jeito que vai, vai bater na parede. Se continuarmos nessa trajetória, vamos chegar a uma crise sem precedentes.
O senhor acha que deveria quebrar a estabilidade do servidor público?
Eu particularmente acho que sim. É uma questão que se tornou tabu. É claro que há funções de Estado que a gente não devia fazer, como auditor fiscal ou funcionários do Itamaraty. Essa agenda de custeio tem que ser feita, e também a agenda da receita, inclusive a CPMF, que eu sou a favor.
Existe uma forma de aumentar a produtividade do serviço público sem quebrar a estabilidade?
Acho que sim. Não quero demitir pessoas, ao contrário, quero que elas sejam felizes e contribuam. Mas é claro que demissão de quem não tem zelo é um instrumento que temos que ter. É claro que a meritocracia é outra coisa importante. Quando eu falo da estabilidade, é uma questão emblemática, mas para aumentar a produtividade não é só demitir.
Quanto o estado tem a receber de devedores?
Temos na dívida ativa R$ 66 bilhões. São dívidas que pedimos para a Justiça executar. Na inadimplência, R$ 7 bi. E tem uma terceira parte que são os autos de infração, ainda na ordem administrativa, em torno de R$ 20 bi.
E qual a perspectiva de receber isso?
Fizemos alguns programas, fizemos 12 leis para tentar receber. Recebemos muito, de R$ 3 bi a R$ 5 bi. Fizemos um Refis agora, não sei quanto vamos receber. O mercado está muito ruim, as empresas estão com dificuldades. Mas é um volume importante, R$ 93 bilhões, de crédito do governo. Nós temos um fluxo médio de recebimento, por ano, de R$ 350 milhões, que é apenas 0,5% da dívida ativa. É muito pouco. Então estamos securitizando a dívida ativa, para uma instituição financeira, provavelmente o Banco do Brasil, que vai emitir debêntures em cima desse fluxo e me ajudar a cobrar. É uma fórmula inédita no Brasil. Acho que vamos receber, no começo, algo na ordem de R$ 3 bilhões a R$ 5 bi. Outra coisa: 40% desses R$ 7 bi de inadimplência são de devedores contumazes, o cara diz que deve e não paga porque a lei o beneficia. Devemos fazer uma lei para coibir o devedor contumaz, caçar o registro dele. Tem que ser 2015 para começar 2015.
O que deve ser definido amanhã na reunião do governador com o secretariado sobre a crise?
A proposta mais importante da reunião acho que é minha (risos). Eu vou propor uma lei de responsabilidade fiscal estadual. Já existe a federal. Eu vou propor uma estadual, rebatendo coisas que não estão previstas na federal.
Quais serão as mudanças a partir da lei estadual?
Vou adiantar uma que o governador já aceitou. Tem uma coisa que é a maior distorção das finanças públicas no Rio de Janeiro. Hoje, você pega os royalties e as participações especiais e coloca isso para pagar a previdência e soma na receita corrente. Aí a dívida que eu pago ao governo federal, que é 13% da receita, esses royalties que estão usados aqui contam como base de cálculo e pessoal também. Eu uso um dinheiro contado duas vezes.
Excluir os royalties da base de cálculos? Isso significa que o gasto com a folha vai chegar nos 60% bem antes?
Isso. Com isso o órgão vai ter que se adequar. Qual a minha proposta? Porque eu também não sou radical. Quero só chamar atenção para a questão de pessoas, das vinculações, por exemplo, Faperj, Ciência e Tecnologia, Fecan e etc.
Vai tirar as vinculações?
Não pode estar vinculado a uma receita que já está usada. A terceira questão é a dívida da União, que eu estou pagando, também, em cima de uma receita que está usada.
Mas excluir só as receitas dos royalties ou mais alguma despesa?
Não, só as receitas dos royalties das participações especiais que estão colocadas e somadas duas vezes. Qual é a proposta que nós estamos fazendo? Dez anos para virar zero. Vamos tirando aos poucos até zerar em dez anos.
Se a presidenta Dilma não topar aliviar a situação dos estados, o que o Rio pode fazer? Parar de pagar a dívida?
Olha, por hipótese, sim. Por hipótese os R$ 65 bilhões que eu estou te contando, qualquer coisa a gente pode fazer. Parar de pagar pessoal, parar de pagar inativo. Parar de transferir para o município. Parar de pagar a dívida ou não pagar nada de fornecedor. Deixar de pagar a dívida é uma discussão política. Vai ter uma hora que talvez a gente chegue nisso.
Quando isso vai ser decidido? Esse convite para essa concertação nacional?
Ah, o prazo limite é muito perto, muito. Estou falando de dois meses, três meses. Nós podemos não aguentar, Minas Gerais não vai aguentar também, Pernambuco também, além do Distrito federal. A gente está chegando no limite.
Quanto é a dívida no conjunto dos estados?
R$ 50 bilhões. É um por cento dos juros que a gente está pagando no Brasil. O BNDES recebeu R$ 100 milhões para pagar com carência de 30 anos com 3% de juros ao ano.
Será que não dá para usar uma moratória de dois, três anos para os estados passarem?
Claro, não é só isso. Tem que cortar pessoal, tem que cortar o carro do secretário. Tem que sofrer. Mas tem que acertar. Tem que ter previdência resolvida.
A sua proposta seria uma moratória de dois anos? Moratória total?
A minha é três. No serviço da dívida com o governo federal. O governador não. Ele tem outras propostas. Eu é que estou aqui conservador. Não unilateral, não estou propondo uma moratória unilateral. Eu estou propondo uma moratória concedida e com contrapartida. De arrumar a máquina pública, vincular recurso.
Mas no início do ano houve redução de cargos comissionados, revisão de contratos...
Acho que vai ser muito mais profundo. O que o governador vai querer é uma coisa muito mais profunda. A proposta nem é minha, está na mesa, cada setor terá que se adequar com o dinheiro. A mudança vai ser grande e o recurso muito pequeno.
Qual será o impacto dessas mudanças no serviço prestado ao cidadão?
Acho que esse é o grande problema. Vamos ter que fazer um grande esforço como diz nosso grande administrador, é a gente melhorar a produtividade. Vamos ter que fazer a mesma coisa com menos.
É possível haver mudança estrutural com esse quadro político?
Por mais divergências ideológicas que eu tenha com o governo federal, torço para tudo dar certo. Porque se não resolver, vai acontecer aqui o fenômeno que houve no governo De la Rúa na Argentina, que se liquefez, se dissolveu pelas províncias. E eu temo isso. Que haja uma debacle nacional. Na medida que as províncias não paguem mais as dívidas.... que os serviços públicos comecem a chegar a níveis insuportáveis, os movimentos sociais... eu temo isso. E eu acho que o remédio é uma consertação nacional. Só enxergo duas hipóteses. Ou faz a concertação nacional ou vamos à debacle.

Um comentário:

  1. Li a entrevista, se depender dele nossa estabilidade e nossos auxílios que estão sendo pedidos vão para o brejo.

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