Confissão de Cabral revela como empresas corrompiam para sonegar impostos
Sérgio Cabral
admitiu ontem ao juiz Marcelo Bretas ter recebido propina de pelo menos uma
grande empresa atuante no Estado do Rio em troca de lhe dar benefícios fiscais
e outras vantagens
Chico Otavio e Juliana Castro
27/03/2019 - 04:30
/ Atualizado em 27/03/2019 - 07:52
RIO — No segundo depoimento desde
que mudou sua linha de defesa e passou a confessar os crimes de que é acusado,
o ex-governador Sérgio Cabral admitiu nesta terça-feira ao juiz Marcelo Bretas
ter recebido propina de pelo menos uma grande empresa atuante no Estado do Rio
em troca de lhe dar benefícios fiscais e outras vantagens . Em relação ao Grupo
Petrópolis, dono da cervejaria Itaipava, Cabral ratificou o que foi dito por
seu operador, Carlos Miranda, que em delação afirmou que o grupo pagava mesada
de R$ 500 mil à organização liderada pelo emedebista.
A confissão de Cabral abre caminho
para uma nova frente de trabalho da Lava-Jato do Rio: a corrupção na área
fiscal do governo estadual. Já há investigações em andamento, tanto no
Ministério Público Federal (MPF) quanto no Ministério Público do Rio (MP-RJ),
sobre um suposto esquema de blindagem de empresas no recolhimento do ICMS
devido.
O depoimento de Cabral fortalece a
suspeita de que a fraude regular contra a receita estadual só funcionava porque
envolvia agentes fazendários. O ex-governador se ofereceu para colaborar com
novas investigações.
— Eu poderia ir ao MPF, se desejar,
esclarecer em outras circunstâncias, muitas coisas com relação a isso —
afirmou, quando falava sobre a influência do empresário Walter Faria, dono do
grupo Petrópolis.
Os investigadores desconfiam que,
para não pagar ICMS, empresas do esquema de Cabral não contavam apenas com a
farra dos benefícios fiscais concedidos pela caneta do ex-governador. Os
inquéritos em andamentos tentarão provar que uma ponta do esquema operava
dentro da Secretaria Estadual de Fazenda, principalmente nas inspetorias de
grandes contribuintes, como a de bebidas e de supermercados, para fazer vista
grossa para as manobras contábeis dos devedores.
O ponto de partida é a referência
que Cabral fez ao ex-agente fazendário Ary Ferreira da Costa Filho, o Aryzinho,
apontado como um de seus operadores. O nome dele foi citado no depoimento de
ontem, quando o ex-governador disse que parte da propina paga pelo Grupo
Petrópolis ficava com Carlos Miranda, e parte com Ary. Os investigadores
acreditam que o ex-agente fazendário era o elo entre as empresas interessadas,
o Palácio Guanabara e o Fisco fluminense.
Até então, os investigadores sabiam
que Ary operava principalmente para os empresários do Grupo Dirija, a rede de
concessionárias de veículos que firmou contratos fraudulentos com uma empresa
de Carlos Miranda para justificar o repasse de recursos a Cabral. Com o
depoimento de ontem, o ex-governador revela que Aryzinho também operou para a
cervejaria e pode ter atuado na compra de blindagem para outros interessados.
— Em relação à Itaipava, o grupo
Petrópolis, tinha propina. Houve ajuda em campanha eleitoral e, de fato, havia
esse recurso, como o Carlos Miranda falou no depoimento dele — afirmou Cabral.
O ex-governador também foi
questionado sobre dinheiro que receberia do grupo Prezunic, na gestão anterior
da empresa.
— Em relação ao Prezunic, não houve
propina. Quando era presidente da Alerj, houve uma tentativa de alguns
deputados de extorsão ao grupo que seu Joaquim (Joaquim Cunha, do grupo
Prezunic) liderava. Eu impedi, ele ficou grato e passou a me ajudar em
campanhas, principalmente a de 2002 e 2006. (Joaquim) foi um contribuinte
importante de caixa dois.
Outro lado
Procurado, o Cencosud, detentor da
Prezunic desde 2012, afirmou que, “quando assumiu a operação desta rede no Rio
de Janeiro, conforme já havia esclarecido anteriormente, confirma que
desconhece qualquer pagamento feito de forma irregular e está à disposição das
autoridades para qualquer esclarecimento adicional que se faça necessário”. O
GLOBO não localizou Joaquim Cunha.
A assessoria de imprensa do Grupo
Petrópolis informou que as empresas do conglomerado não obtiveram qualquer
benefício fiscal ou financeiro durante o governo de Sérgio Cabral.
“A empresa sempre atuou de acordo
com a legislação e suas relações com o Estado do Rio de Janeiro foram pautadas
pelos critérios de geração de empregos para a região, razão pela qual nunca
precisou de qualquer subterfúgio para atuar no Estado”, informou em nota.
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