O Globo
Renúncia a cobrança de débitos
fiscais é temerária (Opinião)
A decisão extrema de decretar estado
de calamidade pública pelo governador em exercício, Francisco Dornelles, em
meados do mês passado, deu a dimensão do tamanho da crise financeira do Rio de
Janeiro, uma das mais graves já enfrentadas pelo estado. Fala por si, por
exemplo, a particularidade de essa ter sido a primeira vez que um governo
fluminense adota semelhante medida. Em complemento, indicadores comprovam que a
economia do Rio já passou da fase de simples adernamento para o de desastre
consumado. Estima-se, por exemplo, que o caixa feche este ano com um déficit de
R$ 19 bilhões, um fantasma que as perspectivas sombrias de arrecadação não são
capazes de exorcizar. É um quadro assustador, que já se reflete na degradação
de serviços públicos em áreas sensíveis como saúde e segurança pública (neste
segundo caso, com o agravante de o governo estadual ter compromissos
inescapáveis com a adoção de medidas que garantam a paz durante os Jogos
Olímpicos, mês que vem). Ter baseado sua política de arrecadação na conta dos
royalties do petróleo, como já se viu, foi uma das principais causas da atual
ruína do cofre estadual. Portanto, está fora de cogitação contar com ingressos
originados de uma commodity em baixa para melhorar as perspectivas da economia.
É crucial que o estado implemente programas alternativos eficazes que levem ao
reforço do caixa. Diante desse quadro, de déficit alto e receita baixa, causam
estranheza medidas como o decreto, assinado semana passada por Dornelles,
estabelecendo que as ações de cobrança fiscal deverão se concentrar nos últimos
dois anos (2014 e 2015). Decreto sobre dívidas leva o governo do Rio a abrir
mão de receitas em potencial e pode estimular a sonegação, ao conceder anistia
branca a devedores do Fisco. É decisão no mínimo polêmica, pelas consequências
econômicas que haverá de produzir, e questionável, pelo seu aspecto legal. Pela
legislação, a receita deve cobrar todos os tributos sonegados nos cinco anos
anteriores ao exercício fiscal em vigor. O reflexo prático do decreto do
governador em exercício é que, contornada a norma legal, os agentes públicos
poderão deixar de fiscalizar débitos nesse período. Uma renúncia branca, uma
renúncia fiscal para trás e, para a frente, um estímulo à sonegação. Os efeitos
econômicos danosos, por sua vez, ficam explícitos diante da incoerência de,
precisando fazer caixa, o governo abrir mão de receitas em potencial que a lei
o obriga a cobrar. Há ainda outro aspecto singular na decisão de Dornelles. A
tramitação do decreto, desde a sua elaboração, na Chefia de Gabinete da
Secretaria de Fazenda, até o texto ser encaminhado à Casa Civil, deu-se em
parcos 20 minutos — uma estranha demonstração de agilidade de uma máquina
burocrática reconhecidamente lenta. Todas estas particularidades podem ser
passivas de discussão; o que está fora de questão, no entanto, é que, na
prática, o decreto pune quem paga corretamente seus tributos e premia os que
fogem a suas obrigações com o Fisco estadual. A mensagem é ruim para todos.
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