Nelson em primeiro plano com Analistas na ALERJ |
O Jornal A Verdade entrevistou
Nelson Antunes Júnior, Diretor Executivo de Comunicação da Associação dos Analistas da Fazenda Estadual do Rio de Janeiro (Anaferj).
Formado em Ciências Humanas pela
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e pós-graduado na Escola de Pós Graduação
em Economia da Fundação Getúlio Vargas, Nelson explica os prejuízos da falta de
critérios da política de isenção fiscal promovida petos governos e defende uma profunda
reforma tributária como caminho para diminuir as desigualdades sociais no
Brasil.
Marcos Villela, Rio de Janeiro
A Verdade - Estudos apontam que, no Brasil, 2,4%o dos mais ricos concentram mais
da metade das isenções do Imposto de Renda de Pessoa Física. Porque isso
acontece?
Nelson Antunes - Um
sistema de tributação justo deve ser progressivo, ou seja, quem ganha mais precisa
contribuir com mais. No Brasil existe um sistema tributário perverso. Aqui se
taxa principalmente a produção e o consumo. A tributação sobre herança e
património é ridiculamente baixa cm comparação aos países desenvolvidos. A
tributação sobre renda tem uma alíquota máxima de 27.5%. quer dizer, quem ganha
R$ 5 mil paga a mesma alíquota máxima de quem ganha R$ 10 mil, RS 20 mil, RS
100 mil ou RS 1 milhão. Qualquer pessoa sensata concordará que Isso é um
absurdo. Em outros países a alíquota mais alta varia de 39,5% (EUA) a 50%
(Inglaterra, França e Austrália. por exemplo).
Além disso,
desde o Governo FHC, os lucros e dividendos que a Pessoa Física retira de
Pessoa Jurídica são isentos. Isso acarretou uma “pejotização” do mercado de
trabalho, principalmente entre profissionais liberais que ganham muito, o que
contribuiu para a queda de arrecadação, inclusive da Previdência Social. Nos
Estados Unidos, país padrão dos liberais, se paga 22% sobre lucros e
dividendos. O resultado disso no Brasil é que os pobres gastam uma parcela
maior de sua renda com impostos cm relação aos ricos.
“Existe hoje uma campanha intensa que visa vender a ideia de que tudo que é público é pavoroso: ineficiente, corrupto e perdulário, E que o setor privado é um poço de virtudes: Eficiente, honesto e produtivo. Isso é manipulação ideológica.”
A Verdade - É possível corrigir essa injustiça?
Nelson Antunes - Sim, mas
quem tentar vai enfrentar muitas resistências. Acima de tudo, precisamos
urgentemente de uma reforma tributária que desonere a produção c o consumo,
regulamente o imposto sobre grandes fortunas, volte a tributar lucros e dividendos
e traga justiça tributária ao Brasil. O Estado brasileiro precisa deixar de
ser um Robin Hood às avessas c começar efetivamente a ser um agente que
promova justiça e igualdade social, como prevê nossa Constituição.
A Verdade - No Rio de Janeiro, o
governador Pezão (MDB) lançou mão das isenções fiscais para as grandes
empresas...
Nelson Antunes - Falar de isenções fiscais no período Cabral-Pezão é complicado, pois as
investigações mostraram que as motivações dessas isenções não foram nada
republicanas... De toda forma, o que motiva as isenções no Pais é a guerra
fiscal. Ela existe pela falta de uma política tributária coerente. Há uma
guerra entre os estados para atrair investimentos, onde os únicos beneficiados
são os grandes empresários. Eles fazem um leilão entre os estados e conseguem
muitas vezes instalar indústrias sem gastar um centavo: ganham o terreno de
graça, financiamento subsidiado para construir e ainda têm décadas de isenção.
Não há fiscalização efetiva e transparente para garantir que os compromissos
com a geração de emprego e com o investimento sejam respeitados.
A Verdade - É possível ser
diferente?
Nelson Antunes - Com certeza. Bastaria o País adotar uma política federalizada, com
alíquotas padronizadas, em que a União e os estados discutam e cheguem ao
difícil consenso sobre regiões onde realmente exista um “vazio” de
investimentos e empregos e onde seja necessário atrair empresas com alíquotas
mais baixas para fomentar a atividade econômica.
No Rio de Janeiro, a maioria das isenções fiscais foi
concedida na Região Metropolitana, mostrando que não houve qualquer critério ou
planejamento. Me chama a atenção as isenções dadas ao setor de petróleo. O Rio
de Janeiro extrai 70% do petróleo do Brasil. Toda essa riqueza está no nosso
litoral e não em outros estados. Mas, mesmo assim, os governos dão isenção.
A Verdade - Você falou do setor
de petróleo, em que as privatizações têm avançado nos últimos anos.
Nelson Antunes - Existe hoje uma campanha midiática intensa que visa a vender a ideia de que
tudo que é público é pavoroso, ineficiente, corrupto e perdulário, e que o
setor privado c um poço de virtudes, eficiente, honesto e produtivo. Muitas
pessoas acabam acreditando nessa propaganda ideológica liberal e reproduzem o
discurso de que privatizar nosso património é melhor. Esquecem, entretanto, que
a situação da maior parte das empresas privatizadas nos anos 1990 é bastante
complicada atualmente.
A OI está quebrada, devendo biIhões em impostos. A
Vale cometeu o maior crime ambiental da história do Brasil e segue impune, sem
pagar um centavo de multa, além de também dever impostos. A Light (empresa de
energia elétrica do Rio de Janeiro) foi responsável pela morte de várias
pessoas vítimas de explosões de bueiros e presta um serviço horrível à
população. O Metro Rio e a SuperVia não compraram um trem sequer nem assentaram
um centímetro de trilhos em 20 anos (todo investimento foi leito pelo Estado),
mas cobram tarifas altas e prestam serviços ruins. A Embraer estatal era
orgulho nacional, investimos bilhões na formação do corpo técnico e em tecnologia,
mas tudo isso acabou de ser dado para a Boeing.
O curioso é que, apesar da propaganda de que a empresa
pública é sempre uma coisa sucateada e imprestável, quando é anunciado um
leilão de uma empresa pública, aparecem diversos interessados na compra.
Na realidade, o que há é uma forte disputa pelo
orçamento público. Os mais ricos querem o orçamento público apenas para eles em
forma de: pagamento de juros nas aplicações financeiras, empréstimos
subsidiados de bancos estatais, além de incentivos e deduções fiscais. E pior:
Se o negócio deles enfrentar problemas, eles querem que o governo perdoe suas
dívidas em Refis e tenha recursos pra cobrir seu prejuízo com mais empréstimos
de bancos públicos com juros camarada.
Ou seja, hoje o lucro é privatizado e o prejuízo é estatal.
Isso não é bom para o país e a maior parte da população.
A Verdade - E o funcionalismo
público, o que tem a ver com essa questão?
Nelson Antunes - Tudo, pois fazemos parte dessa sociedade. Não somos imunes à propaganda
maciça dos meios de comunicação. Alguns colegas da minha própria carreira
repetem chavões que veem na mídia ou em Redes Socias, como “O Brasil tem a
maior carga tributária do mundo” ou “O Estado é meu inimigo”, “imposto é roubo”
e outras bobagens. Servidor público ultra-liberal, que prega o Estado Mínimo é
um fenômeno curioso e que me envergonha muito. É como se uma árvore defendesse
o desmatamento. (risos).
Acredito que seria muito bom se o servidor público e a
sociedade passassem por um processo de desintoxicação de tanta informação ruim
que recebem. Nós precisamos entender que nosso papel é prestar um bom serviço à
população e denunciar irregularidades e más condições no exercício de nossas
atividades. Temos que transformar a maioria esmagadora da população que usa e
depende dos serviços públicos, em nossos aliados. Exigindo condições de
trabalho e salário digno.
E por fim, precisamos ter coragem de enfrentar a
propaganda e dizer que o Estado brasileiro na verdade é muito pequeno comparado
a outros países e frente às necessidades de nossa enorme população. A maior
parte dos brasileiros depende dos serviços do Estado. Precisamos transformar
essa maioria numérica em maioria política.
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