RJ dá benefício fiscal a atacadistas que ajudaram a derrubar proibição
de incentivos
Hanrrikson de Andrade Do UOL, no Rio
19/06/2017
Tão logo a Justiça do Rio de Janeiro derrubou, no começo deste mês,
liminar obtida pelo Ministério Público Estadual que proibia a liberação,
ampliação ou renovação de novos benefícios fiscais, o governador Luiz Fernando
Pezão (PMDB) autorizou, por meio de decretos assinados em 2 de junho,
incentivos a três empresas do setor atacadista.
Uma delas, a Mix Certo Distribuidora de Cosméticos, Alimentos e
Limpeza Ltda, pertence a um dos dirigentes da Aderj (Associação dos
Atacadistas e Distribuidores do Estado do RJ), grupo que atuou junto ao governo
do Estado no processo que desentravou a concessão de novos incentivos. Parte
interessada, a Aderj colaborou como "amicus curiae"
--"amigo da Corte", na linguagem jurídica-- no vitorioso recurso
submetido pela Procuradoria-Geral do Estado à 17ª Câmara Cível.
A Mix Certo é uma
subsidiária da Zamboni, empresa do ramo atacadista criada pelo patriarca da
família, Alencar César David Zamboni, em 1969. Influente no setor, o empresário
faz parte da cúpula da Aderj --atualmente, ocupa a 2ª Vice-Presidência do
Conselho Consultivo.
Fundada em 1969, a
Zamboni comercializa cerca de 250 categorias de produtos. O portfólio vai de alimentos
a itens de limpeza e cosméticos
A queda da liminar
chegou a ser noticiada no site da associação, em tom de comemoração. "A
Aderj participou do julgamento como 'amicus curiae', tendo realizado, através
do Dr. Olavo Leite sustentação oral e, assim, demonstrado os números de nosso
segmento e exposto os motivos pelos quais entendia que a manutenção da liminar
poderia provocar danos irreversíveis ao setor."
O UOL tentou contato
com Olavo Leite, advogado contratado pela Aderj para atuar junto ao governo do
Estado na derrubada da liminar. Ele não quis falar com a reportagem, por
telefone. A associação solicitou que as perguntas fossem enviadas por e-mail e,
posteriormente, respondeu por meio de nota.
"A Aderj é uma
entidade filiada à Abad (Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores),
entre outras 27 em todo o país, que representa o setor atacadista e distribuidor
a nível nacional e estadual, não podendo se posicionar de forma individualizada
pelas empresas que formam o segmento."
De acordo com o
decreto publicado por Pezão, a Mix Certo foi enquadrada no Riolog, um programa
de fomento lançado em 2003 para "prover competitividade ao setor
atacadista". A medida cautelar que proibia novos incentivos fiscais representava
um entrave à subsidiária do grupo Zamboni, que aguardava para entrar no Riolog
há três anos.
A proposta de adesão
enviada ao Executivo em 2014 foi aprovada no ano seguinte por uma comissão
responsável por avaliar a concessão de incentivos. Desde então, passou pelo
crivo da Secretaria de Estado de Fazenda e, no ano passado, foi convertida em
um termo de adesão, que estabeleceu as obrigações a serem cumpridas durante a
vigência do acordo.
Em outubro de 2016,
tudo estava, enfim, encaminhado para a edição do decreto, e os papéis já se
encontravam na Secretaria de Estado de Casa Civil. Os interesses do grupo
atacadista, no entanto, foram frustrados pela decisão do Juízo da 3ª Vara de
Fazenda Pública, que expediu a liminar que viria a ser revogada oito meses depois.
No Riolog, a empresa
terá vantagens como "crédito presumido de 2% nas operações interestaduais,
bem como nas aquisições internas de alguns produtos", informou a
Subsecretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico.
O órgão explicou ainda
que, para ter direito ao benefício, a Mix Certo deverá apresentar
contrapartidas, como aumento da arrecadação, geração de 187 empregos, abertura
de novas unidades, entre outros compromissos. O Estado, por fim, argumenta que
não haverá perda de receita. A Mix Certo já contava com benefício fiscal
anterior, garantido pelo decreto 44.498/2013, publicado pelo ex-governador
Sérgio Cabral (PMDB), há quatro anos. A norma instituiu um regime diferenciado
de ICMS para as empresas do ramo atacadista. Além disso, a subsidiária da Zamboni
tem "incentivo para cesta básica", informou o governo.
O UOL procurou a atual
presidente da empresa, Fabiana Zamboni, filha de Alencar Zamboni, por meio de
sua assessoria de comunicação. Ela não atendeu à reportagem, por telefone, mas
solicitou que as perguntas fossem enviadas por e-mail. Em nota, o grupo
informou que "cumpre rigorosamente a legislação do Estado, assim como
atende a todos os pré-requisitos para participar dos programas de fomento do
governo".
R$ 219 bilhões em
benefícios fiscais
Dados da Secretaria de
Estado de Fazenda enviados ao TCE-RJ (Tribunal de Contas do Estado do RJ)
indicam que, entre 2007 e 2016, os governos de Sérgio Cabral (2007-2014) e Luiz
Fernando Pezão (2014 até hoje), ambos do PMDB, liberaram quase R$ 219 bilhões
em benefícios fiscais destinados à iniciativa privada.
Desse montante, o
Executivo apontou renúncia efetiva de R$ 56,8 milhões, isto é, valor real que
teria deixado de entrar nos cofres públicos. O restante é entendido como forma
de investimento, que o governo considera ter sido capaz de impulsionar a
arrecadação na cadeia produtiva.
Para o TCE-RJ, no
entanto, os cálculos da secretaria apresentam "fragilidades", "inconsistências"
e "metodologias inadequadas". Os valores observados, portanto, poderiam
ser maiores --há suspeita de "subavaliação", conforme processo (nº 106.302-6/16)
instaurado no Tribunal de Contas do Estado.
A política de
incentivos desenfreados, de acordo com o órgão, contribuiu para que o Estado
chegasse à decretação da calamidade financeira e é um dos fundamentos do
parecer que recomenda a rejeição das contas de 2016. A decisão foi anunciada na
sessão plenária do dia 30 de maio
Além disso, uma
auditoria realizada pelo Codin (Companhia de Desenvolvimento Industrial do
Estado) já havia detectado "irregularidades relevantes na concessão de
benefícios", de acordo com a presidente do TCE-RJ e relatora do processo
de análise das contas do ano passado, Marianna Montebello. O voto dela, pela
rejeição, foi acompanhado de forma unânime pelos demais conselheiros. A decisão
final caberá ao Parlamento fluminense. Entre outras infrações, o Codin aponta:
"(...) ausência de estudo de impacto orçamentário-financeiro previamente à
concessão de benefícios tributários, fruição irregular de benefícios fiscais,
inexistência de acompanhamento estruturado e sistemático dos requisitos e
contrapartidas das empresas beneficiárias de incentivos fiscais, ilegalidade no
ato de concessão de benefícios fiscais, e ausência de transparência do processo
decisório de concessão de benefícios fiscais". O tema também é objeto de
um pedido de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) na Alerj (Assembleia
Legislativa do Rio de Janeiro).
Mas e a crise?
Os decretos de Pezão
contrastam com os esforços referentes à recuperação financeira do Rio, afundado
em grave crise que se arrasta desde 2014. O Executivo vem depositando todas as
esperanças no recém-criado RRFE (Regime de Recuperação Fiscal dos Estados), do
Ministério da Fazenda. A liberação dos incentivos por meio do Riolog ocorreu
justamente na semana em que parlamentares da base aliada aprovaram, na Alerj,
contrapartidas necessárias para adesão ao programa de socorro federal. Durante
as sessões ordinárias, o vereador Eliomar Coelho (PSOL) apresentou à Mesa
Diretora da Alerj projetos de decreto legislativo na tentativa de sustar os
benefícios. Para a oposição, a postura do Executivo é incoerente. Isso porque,
se por um lado foram concedidos incentivos fiscais a empresas do setor
atacadista, por outro o governo havia acabado de ir ao Parlamento defender a
aprovação de projetos de lei impopulares, que "penalizam os
trabalhadores", tais como o aumento da contribuição previdenciária dos
servidores (de 11% para 14%) e a permissão para vender a Cedae (Companhia
Estadual de Águas e Esgotos). Além disso, os deputados argumentam que o governo
estadual descumpriu a Lei 7.945/2016, que proíbe por dois anos a concessão de
novos benefícios fiscais por meio de decretos do Executivo. Nesse caso, a lei
determina que o assunto deveria ser analisado e submetido à apreciação no
plenário da Assembleia Legislativa
O governo do Estado,
por outro lado, se diz contrário à posição dos parlamentares e defende que há
"base legal". Sobre as críticas de parlamentares da oposição, a
Subsecretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico informou, por meio de sua
assessoria de comunicação, que a crise no Rio estaria pior se o governo não
concedesse incentivos. Os benefícios seriam fundamentais para o aumento da
receita e a geração de empregos, na avaliação do governo. A pasta entende que a
lei aprovada no ano passado permitiria "a conclusão de enquadramentos em
andamento em até 90 dias após a produção dos efeitos da presente lei". Ou
seja, somados esses 90 dias com o período de vacância da lei (também de 90 dias),
o governo argumenta que estava no direito de concluir os processos em andamento
em um prazo total de 180 dias. Como a Lei 7.945/2016 foi publicada em 6 de
dezembro do ano passado, passaram-se, portanto, 178 dias da promulgação. Ou
seja, o decreto teria sido assinado a dois dias do fim do prazo legal. A
subsecretaria informou, por fim, que "as empresas incentivadas cumpriram
todas as condições para enquadramento", de acordo com as normas do Riolog.
Em:
https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2017/06/19/rj-da-beneficio-fiscal-a-atacadistas-que-ajudaram-a-derrubar-proibicao-de-incentivos.htm?cmpid=copiaecola
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